Diário

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Meu nome é Sofia Rhidey. Eu estou presa, e preciso de ajuda.

Só pode haver um motivo pra você ter encontrado esse diário: ou você é um de nós... ou é um deles. O único motivo de eu ainda estar viva é porque sei de coisas que eles não sabem. Porque precisam da chave. Eles vão voltar a qualquer momento para tentar extraí-la de mim, mas eu não posso permitir que eles a tenham. Acredite... Se eles souberem o que eu sei, tudo estará acabado.

Mas se você realmente é um de nós, se realmente existe um pouco de ícor dourado correndo em suas veias, então você saberá o que fazer. E por favor, se apresse e mantenha segredo. O tempo está correndo e não sou capaz de mensurar quanto mais serei capaz de aguentar.

Tudo começou quando recebi a mensagem de Íris de meu irmão, Tânatos.

Estava tudo confuso e embaralhado, por um momento cheguei a pensar que ele estava em perigo — de novo. Mas antes que eu pudesse checar seu bem estar ou fazer muitas perguntas, a mensagem se dissipou, e a única informação que eu fui capaz de extrair dela foi um endereço em uma cidade pacata há três ônibus de distância. Não pensei duas vezes antes de ir. Quando o deus da morte pede ajuda a filha da noite, o que pode dar errado?

Acontece que muita coisa poderia dar errado. E deu.

No caminho, durante as longas horas nos bancos desconfortáveis do transporte público com nenhuma companhia, consegui algumas informações de quem morava na casa disposta naquele endereço: Alberto Nothinghere. Eu sei. Nomezinho estranho que pensei já ter visto em algum lugar. Mas não é relevante. O relevante sobre Alberto: ele estava morto havia 3 anos.

E isso não seria um problema, é claro, se eu não estivesse vendo Alberto em carne e osso na varanda de sua casa.

Essa não seria a primeira vez que alguém que deveria estar morto continua caminhando por aí. Lembro que o mesmo aconteceu alguns anos antes, e que foi resolvido por 7 semideuses bem famosos. Então por que Tânatos pediria ajuda a mim ao invés de investigar ele mesmo? Afinal, ele é o coletor de almas, não eu (acredite, já debatemos bastante sobre isso).

Felizmente meus instintos de detetive entraram em ação e em pouco tempo descobri o que havia de diferente nesse caso: o túmulo de Alberto, que por sinal ficava do outro lado do país, havia sido roubado.

E apesar de as histórias gregas de meus ancestrais conterem todo o tipo de loucura, mortos saindo dos túmulos não era uma delas.

Fiquei de tocaia na frente da casa de Alberto até ele sair, o que foi apenas algumas horas depois. Tentei contactar meu irmão de toda forma nesse meio tempo: mensagem de íris, chamada telefônica: nada. Talvez ainda seja influência daqueles três esnobes do Triunvirato. O fato é que assim que Alberto saiu, entrei em sua casa. Não é difícil fazer qualquer coisa à noite quando se é, bem, a filha da Noite. E sinceramente, não sei o que esperava encontrar na casa do zumbi Alberto, mas com certeza era mais do que uma simples e organizada moradia. A única coisa de diferente era a pintura descascada aleatoriamente em pedaços da parede.

Depois de uma infrutífera busca, saí do local e caminhei até a estação de trem mais próxima, tentando fazer as peças se encaixarem. Por vários momentos pensei estar sendo seguida, e apertei o passo. Mas não temia. Minha mãe era a mais velha das deusas, e as raízes de meus poderes se estendiam mais longe do que qualquer um poderia imaginar: ainda mais a noite. Por isso que, quando me deparei com a multidão na estação de trem, fiquei mais irritada do que animada.

Todos os pelos dos meus cabelos se eriçaram quando o trem passou reto da próxima parada. Alguns passageiros sequer notaram, absortos demais em seus livros e celulares. Outros levantaram e gritaram para o maquinista para que ele parasse, mas ele não o fez.

Ao invés disso, ouvi a voz metálica e desconhecida ecoar pelos vagões lotados:

– Sofia Rhidey — ela disse — Por favor, pare o trem.

Por mais que a voz viesse da cabine do maquinista, era o homem em minha frente que parecia estar falando. Os olhos arregalados me encaravam do outro lado do vagão, e assim que corri para a porta mais próxima ele disparou atrás de mim.

— Nós somos muitos, Sofia — disse ele, enquanto me atacava. Fui mais rápida e bati com sua cabeça em um dos bancos vazios, desmaiando-o.

Instantaneamente a pessoa sentada no banco mais próximo, uma idosa de mais de 75 anos, se levantou e continuou sua fala.

— E logo seremos todos.

Ela me atacou, e foi quando percebi o perigo em que todos naquele trem percorriam.

Eu teria de derrotar todos eles, de novo e de novo, e tudo o que precisavam fazer era esperar que eu me cansasse.

Cerca de 15 pessoas se juntaram à "idosa" para me atacar. Era impossível lidar com todas ao mesmo tempo, não sem meus poderes. Recorri a eles, e a mais densa das escuridões começou a surgir em minha volta como um domo, se estendendo e engolindo os mais próximos comigo.

O Véu da Noite. Ele enlouquece todos àqueles que toca, mostra-os seus piores medos e revive seus maiores pesadelos.

Mas as pessoas no vagão continuavam correndo para ele. Corriam e pouco antes de tocá-lo elas desabavam. Depois começavam os gritos desesperados. Uma, duas, depois mais, cinco, sete. Todos caídos em meus pés em pleno desespero, mas não eram meus inimigos.

— Você vai matá-los, Sofia — disse a voz do maquinista novamente — Eles não são Eternos como nós.

Cada vez mais pessoas do vagão, possuídas, se jogavam sob a influência do véu, deixando ainda mais difícil suportá-lo. Por fim o dissipei, e no mesmo momento em que o fiz, desmaiei e caí no vagão lotado.

As próximas memórias de que tenho consciência é de estar presa nessa cela. De ser constantemente questionada pelos Eternos. Eles querem uma informação que somente eu, dentre todos os os semideuses, possuo. A chave do Palácio de Nix. O caminho expresso entre as profundezas do Tártaro e qualquer lugar da Terra, o túnel não vigiado nem mesmo por Zeus. Se a obtiverem, todos eles estarão livres e não poderemos mais confiar em ninguém.

Eu tentei pedir todo tipo de ajuda, mas nada funciona por aqui, muito menos meus poderes. O telefone especial feito por um amigo, com tecnologia anti-monstro, é a única tentativa que tenho — e só funciona o Twitter, valeu mesmo Valdez!

O único motivo de eles fingirem que não enxergam esse pedido de socorro é porque sei que eles também aproveitam esse desabafo para descobrir a chave sem que os conte. Mas você precisa descobrir primeiro. Não sei quanto tempo consigo aguentar, e a chave de abertura do Palácio é a mesma de fechamento. Se tudo der errado, se eles a obtiverem, se a chave se tornar pública, estarei morta. E você poderá fechar o Palácio no momento certo.

Se apresse.

Minha vida, e a de todo o mundo, depende disso.

Diário de Sofia RhideyOnde histórias criam vida. Descubra agora