II

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Eu me lembro de quando comi um bolo de maconha em uma festa, quando era bem mais jovem, talvez no ensino médio. O meu coração acelerou muito e eu achei que fosse morrer, mas a sensação passou quando alguém acendeu a luz do banheiro onde eu estava deitada no chão. Tem algo na luz branca, e na luz do sol, que me deixa bastante sóbria. Talvez por isso as festas sempre usem uma iluminação mais enfraquecida, que me dá a sensação de que eu deveria estar dormindo, e talvez por isso tudo fica com um aspecto de sonho. Algumas vezes, enquanto tenho esse tipo de experiência ligada ao uso de alguma droga, costumo olhar para minhas próprias mãos e não sentir que elas pertencem a mim. Da mesma forma, olho para as outras pessoas e sinto que não pertenço a esse mundo. Mas essa sensação não passa quando alguém acende a luz, eu tenho que me distrair com outra coisa para não permitir que ela me domine.

Perto de onde eu estava, havia alguns sofás em tons vermelhos, daqueles que você percebe que são super confortáveis só de olhar. Me sentei em um canto e achei meio desagradável não ter nada ocupando as minhas mãos, não sabia muito bem o que fazer com elas. Assim que me acomodei, uma mulher de cabelos alaranjados enormes e ondulados sentou-se ao meu lado, jogando todo o peso do próprio corpo sobre o sofá, o que fez com que eu me mexesse um pouco. Ela sorriu para mim, seus dentes e sua boca estavam sujos de batom, mas ela continuava muito bonita apesar disso. E mesmo borrado, eu pude notar que seu batom também era fosco. O dela era vermelho, da cor do sofá, e o meu era marrom, da cor das minhas botas de camurça.

– Oi – a mulher falou. E se reposicionou no assento, como se sua linguagem corporal indicasse que queria engajar em um diálogo comigo. – Eu a-do-rei seus brincos!

Meus brincos eram uns penduricalhos feitos a mão, com uma madeira delicada, pedras e penas. Eu coloquei a mão em um deles, enfiados em meio aos cachos dos meus cabelos, e agradeci o elogio.

– Obrigada. Seu batom 'tá borrado, mas eu achei ele muito bonito, também.

– Oh! – Ela tirou um celular do bolso e acendeu a tela, que iluminou seu rosto. Ela se enxergou na câmera, corrigindo as falhas do batom. Eu podia notar que ela estava um pouco bêbada pelos seus gestos e pela forma como não havia percebido antes que estava suja. Também dava para deduzir que ela tinha beijado alguém na boca antes de se dirigir até o sofá e eu procurei ao nosso redor quem estaria com os lábios combinando com os dela, mas não encontrei ninguém. Dando uma risada, ela disse: – obrigada. Você comprou onde?

– Que?

– Os brincos. Comprou onde? – Ela disse, dessa vez sem olhar para mim, mexendo no celular, provavelmente em alguma rede social.

– Ah. Na rua. De uns hippies.

– Droga – ela falou, guardando o celular de volta no bolso de trás de sua calça jeans. – Eu queria achar a loja na internet.

Observando as pessoas dançando, conversando e interagindo ao nosso redor, notei o cara que foi buscar bebidas me procurando com os olhos e acenei para ele. Ele me viu e se aproximou. Estava desacompanhado, o que me fez pensar que o outro rapaz encontrou a moça que bateu a testa no vidro e eles se reconectaram. Talvez nem tudo estivesse perdido, afinal de contas.

– Valeu! – Eu disse, quando ele me entregou a cerveja. Na minha frente, havia uma espécie de banco acolchoado, com o mesmo tecido e cor do sofá, onde ele se sentou.

Ao meu lado, a moça ruiva observava nossa interação e resolveu participar:

– Ahhh – fez uma careta, como uma criança emburrada. – Eu também queria cerveja.

– Você pode beber a minha – o rapaz respondeu com um sorriso no rosto.

Ele estendeu a mão para que ela pegasse o copo, mais ou menos na altura do rosto dela. Ao invés disso, ela abaixou a cabeça e aproximou sua boca do copo, tentando beber enquanto a cerveja ainda estava na mão dele. Parecendo ter gostado da ideia, ele abasteceu os lábios dela como se faz com um bebê que tem sede. A risada dela era daquelas altas, escandalosas, mas também tinha um ar contagiante. Como se emanasse uma energia boa, que te desse vontade de participar do que quer que estivesse acontecendo. Mesmo assim, eu não quis participar. Sabia que, pouco tempo depois disso, seria a boca dele que estaria pintada com o vermelho fosco daquele batom e eu decidi que não queria estar por perto quando isso acontecesse.

– Preciso ir no banheiro – falei, já me levantando, sem esperar uma resposta. Antes de me afastar, pude ouvir que os dois trocavam nomes: Raquel e Thiago.

Caminhei pela sala sem ter muita certeza de onde estava indo. Eu não sabia onde era o banheiro, e nem sentia uma necessidade muito grande de ir até lá. Resolvi que queria tomar um ar, mas a sala parecia completamente sedada de contato com o mundo exterior, não havia uma varanda ou uma janela que se abrisse. Explorei alguns cômodos da casa e acabei encontrando um quarto quase vazio. O apartamento era muito grande e bonito, tinha um ar de classe média alta, moderno e cheio de tecnologia. A decoração era minimalista e cada espaço parecia ter cores predominantes. Na sala, era vermelho. Neste quarto, um marrom acobreado, não exatamente bonito, mas que combinava com a lâmpada acesa, que era amarelada. A luz era muito mais próxima do branco do que a iluminação das outras partes do apartamento, o que me fez voltar a mim por um instante. Me senti menos exploradora de ambientes e mais uma garota perdida e sozinha.

16 andaresOnde histórias criam vida. Descubra agora