O quarto tinha uma cama onde uma mulher dormia. Me parecia um pouco com aquela que estava bêbada mais cedo, mas não tive muita certeza. Também tinha uma janela horizontal, daquelas onde você consegue apoiar seus cotovelos e pensar na vida. Dava para sentir o ar frio da noite vindo dela, em contraste com o clima abafado de várias pessoas se movendo muito perto umas das outras. Respirei com vontade enquanto me encostava no apoio da janela. Ela dava para a parte lateral do prédio, que era em uma esquina, e me deu uma certa vertigem quando olhei para baixo. Me senti menos protegida e mais exposta do que quando observei meu reflexo no vidro da sala.
A janela se prolongava para os lados por uns dois ou três metros e, no lado oposto de onde eu me encontrava, havia um homem de cabelos e barbas grisalhos. Ele parecia concentrado, fumando um cigarro e observando a fumaça que soprava de sua boca. Continuei bebendo minha cerveja em silêncio. A música da sala não estava tocando tão alto aqui.
Lá embaixo, a vários quarteirões de distância, havia um outdoor luminoso que piscava meu nome, como se me chamasse. Era uma propaganda de uma loja de sapatos, mas por algum motivo aquilo me deixou com raiva. Queria arremessar algo que fizesse aquilo parar. Tirei meus brincos da orelha e joguei um deles. Mesmo com óculos, não consegui enxergar onde ele caiu. Ele era pequeno e estava escuro, mas provavelmente não chegou muito longe.
– Por que você fez isso? – O homem grisalho me perguntou.
Não respondi, eu não sabia o porquê. Dezesseis andares é bastante coisa. Quando eu era criança, eu morava em um apartamento no terceiro andar, que ficava em cima de uma loja. Eu adorava jogar meus brinquedos de lá de cima e ver o efeito da gravidade agindo sobre eles. Eles caíam e ficavam parados em cima da marquise da loja, talvez até hoje estejam lá. Eu gostava de ver a chuva caindo e escorrendo sobre eles, impassíveis. Com o tempo, as cores iam se desbotando por causa do efeito do calor e da luz do sol e eles ficavam apagados, brancos. Mas lembro que uma vez deixei minha chupeta cair sem querer. Minha mãe aproveitou a oportunidade para fazer com que eu largasse o hábito, mas eu chorava todos os dias pedindo ela de volta. Acho que nunca mais joguei nada de uma janela até agora.
Terminei de beber minha cerveja e resolvi arremessar o copo. Amassei o plástico, mirei no painel luminoso que chamava pelo meu nome e joguei. Ele foi levado pelo vento e caiu no meio da rua, um pouco à frente do prédio.
– Ei! – Disse o homem, em tom irritado. – Não joga lixo na rua, porra.
– Desculpa – murmurei.
– Você é doida, é?
– Sim.
Ele riu, mas eu não estava brincando. Joguei meu outro brinco. Também não consegui ver onde ele caiu. O cara grisalho riu, me olhou e jogou seu cigarro. No início, ele emanava uma luz em sua ponta, brilhante e alaranjada. Pouco depois, o cigarro sumiu na noite, assim como os meus brincos.
– Por que não volta pra festa agora? – Ele perguntou.
– Por que você não volta?
– Tô cuidando dessa aqui – ele apontou para a mulher deitada na cama, adormecida. Na hora, me lembrei da história que eu tinha fantasiado, um homem que deixou a festa para cuidar da pessoa amada. – Ela namora minha amiga. Você conhece a Raquel?
– Não.
Mais uma vez, as pessoas não são felizes nem na minha fantasia. Preciso parar de acreditar no amor.
– Enfim, acho que vou procurar por ela, você pode ficar com ela até eu voltar? É só ver se ela 'tá bem e se não precisa de alguma coisa.
– Uhum. Tudo bem.
Me sentei na beirada da cama e observei a moça. Ela tinha um leve machucado na testa e emanava um cheiro azedo, mas fraco, de vômito. Fiquei triste por ela. Depois fiquei triste por mim, porque ela ao menos poderia se embebedar e confiar que teria alguém para deixá-la protegida em casa. Eu não sabia nem ao menos dizer se eu ser solitária era culpa minha ou das outras pessoas. Quando dei por mim, eu estava chorando, e foi assim que a Raquel, o Thiago e o cara grisalho me encontraram.
– O que aconteceu? – A Raquel perguntou. Limpei meu rosto às pressas, virei de costas e me escorei na janela novamente. – Achei que a Elisa e a Sabrina estavam cuidando dela.
– Elas foram embora. – O homem que eu ainda não sabia o nome respondeu e se aproximou de mim, perguntando: – você 'tá bem?
– Eu 'tô. Acho que vou pra casa também, preciso descansar.
– Eu também vou – ele falou. – Já fiz minha parte aqui. Vamos descer juntos.
Me virei para sair do quarto, mas parei por um instante para observar a Raquel acordando a namorada, enquanto o Thiago não sabia exatamente qual era seu papel ali. Falei com ela:
– Seu batom continua borrado. – E me virei para o Thiago: – o seu também.
Dali, fomos direto para o elevador, e descemos em silêncio. Fiquei me olhando no espelho das paredes do elevador, completamente insatisfeita com o que via. De alguma forma, sentia que não deveria ser eu narrando essa história. Meu ponto de vista não parece o mais importante, muito menos o mais interessante. Esfreguei meus olhos com as mãos e olhei novamente para meu rosto no espelho, dessa vez com a maquiagem borrada. Quando eu era criança, olhava fotografias minhas e sentia uma raiva imensa de ser quem eu era. Na adolescência, esse sentimento se transformou em uma espécie de conformidade. E na idade adulta eu adotei a noção de que meu corpo é apenas um espaço temporário onde eu ocupo. Não vai durar muito, eu só preciso aguentar até poder me livrar dele.
Saímos do prédio e viramos a esquina. Eu estava olhando para o chão e achei um dos meus brincos na calçada. Pisei nele, com toda força. Senti a madeira se quebrando sob meu pé. Olhando para cima, não conseguia identificar qual era a janela do 16º andar.
– É alto, né? – O cara pareceu entender o que eu estava pensando.
Me lembro da foto de Evelyn McHale, seu corpo sem vida repousando delicadamente sobre um carro amassado pelo impacto da queda dela. Enquanto estava na festa, eu olhava lá de cima pensando que algo desse tipo aconteceria hoje. Mas eu apenas perdi um par de brincos. Agora, de uma perspectiva diferente, eu olho lá para cima assustada e percebo que, de onde estou, não consigo ver o painel luminoso que chamava pelo meu nome. Por aqui, não há ninguém que sabe o meu nome. Não há ninguém me chamando.
– Quer dividir um Uber? – Pergunto para o homem que caminha comigo, de alguma forma tendo a certeza de que chegarei segura e viva em casa.
E eu chego.

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16 andares
Historia CortaUma festa. Pessoas de todos os tipos. Música alta e muita bebida. Por que sinto que não pertenço a este mundo?