Capítulo 2 - O maldito estaleiro.

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-Mais uma caneca?

Eu estava preso em mais um devaneio, com uma caneca de vinho na mão e um bela morena sentada na minha perna esquerda. Parecia que nem aquela pequena moça me fazia tirar o arco e as runas da cabeça. Pisquei repetidas vezes na esperança de focar a imagem da gorda me oferecendo mais bebida.

- Não. Estou farto. - nem sequer sabia quem era a morena em meu colo, mas a fiz um sinal para que pulasse de lá imediatamente. - De tudo.

Eu não sabia o que havia dado em mim. Nem sexo me faria esquecer tudo que estava acontecendo e disso eu tinha certeza. Estava tudo tão confuso que só existia uma coisa na qual eu podia pensar e era deitar meu corpo cansado em uma bela cama de algodão.

Foi então que saí de mais um devaneio. A merda da minha cama na estalagem era de palha.

Andei cabisbaixo pela vila vazia. Eu morava aqui a muito pouco tempo, cerca de três ou quatro meses. Nilgrade era uma vila maldita e mal habitada. Escondia a escória política e assassinos. Era só forçar a vista na direção de um beco para se ver uma cena de estupro ou um corpo estatelado no chão. Eu sempre evitava olhar para becos. Era um lugar esquecido pelos três deuses e lembrados pelos três Protetores da Discórdia. E muito bem lembrado.

Nosso país era governado por 3 reis diferentes, cada um que representasse a raça e as virtudes de um dos deuses. Existia o Rei Elfo, Miildr, para representar Kirr, o deus da sabedoria e da cura; o Rei Humano, Arthur, representava o deus da batalha e piedade, Sall, e por último o Rei Doragon, Saskar, representava o deus da magia e dos dragões, Miryo.

E era por isso que algum Doragon precisava decifrar meu arco. Porque eu tinha certeza que eram runas dragônicas.

Apertei o passo, pisando várias vezes em algumas poças de lama. Já nem ligava para as surradas botas de couro. O caminho era repleto de pedras achatadas que o asfaltavam. Entre elas, alguns filetes de grama e terra lamacenta. As casas ao meu redor estavam todas apagadas e nenhuma fumaça saia pela chaminé. Eu estava sozinho a caminho da estalagem.

Ela estava ao longe, melancólica e medíocre, caindo aos pedaços. Apenas a luz do quarto do estaleiro estava acesa.

Estranho...

Ela não deveria estar acesa...

Não nesse horário, quando Catherine dava sua escapada noturna procurando um doador de esperma...

Merda!

Lancei meu corpo para frente e comecei a correr. E se ele a tivesse pego, no flagra? E se ele a estiver fazendo mal?

Tais pensamentos bombardeavam minha mente. Era como se eu sentisse a pútrida e turva água do riacho na noite da luz tivesse inundado meu corpo, deixando-o pesado.

O pátio da estalagem estava vazio e não ouvia-se nada.

- Sr. Cravendish? - gritei, fingindo-me de bêbado. Nenhuma resposta. - Sra. Cravendish? - Catherine não se pronunciou.

Eu queria que ela tivesse surgido do nada, me repreendido por denunciar sua ausência como já fizera tantas e tantas vezes, sempre enganando o idiota do marido. Mas nada. Nem um suspiro abafado de prazer com um de seus amantes no banheiro. Nem um grito de prazer com o marido. A única coisa que eu ganhará era o silêncio.

Mil âncoras amarradas em meu pescoço não daria o devido peso que eu sentia por todo meu corpo. O estaleiro na gastava fogo atoa. Havia acontecido algo importante o suficiente para faze-lo acender os candelabros. Pelos deuses, Catherine, o que você fez?

Foi então que ele surgiu no escuro. A pouco luz a lua iluminava sua silhueta redonda e repulsiva. Por Sall, como eu odiava aquele sujeito.

- Vá dormir garoto. - sua voz rouca e cansada preenchia todo o saguão e arrepiava até os pêlos da minha nuca.

- Onde está... sua esposa? - tentei ao máximo interpretar o melhor bêbado de Andharium, finalizando a pergunta com um frouxo soluço.

- Dormindo. Ela está dormindo.

Oh não. Eu sabia que não.

Eu andei cambaleante até o meu quarto e agarrei minha aljava e meu arco. As runas brilhavam o suficiente para iluminar o sombrio caminho até o quarto do estaleiro, que havia ficado bebendo hidromel no saguão. Eu tentava fazer de cada passo o mais leve possível. Mesmo velho, o chão de carvalho colaborou e não rangeu.

Abri a porta do quarto e a luz havia se apagado. A silhueta de Catherine estava perfeitamente deitada na cama de costas para mim.

- Cat, está tudo bem? - seu silêncio era profundo e enigmático. - Escute, Cravendish está no saguão, somos só nós. Fale comigo!

Eu dei alguns passos para a frente, tocando seu braço nu.

Estava gelado.

Puxei seu corpo, de forma a deixá-la de barriga para cima. Uma poça de liquido escuro havia sido formado onde ela estava deitada antes.

Era sangue.

O sangue de Catherine saia de seu estômago. Ela estava morta. A mulher que já dormira com meia Nilgrade estava morta. A mulher que sempre se preocupava em acender a lareira da estalagem mesmo sabendo que eu era o único hospede. A mulher de cabelos e olhos castanhos hipnotizastes. Essa mulher... estava... morta.

Senti uma sombra imensa se formar atrás de mim. O cheiro de hidromel se mistura ao cheiro de morte e me causava um enjoo horrível. Aquele homem matou Catherine, e se ela tivesse contado que fui um de seus amantes me mataria também.

- Ela era ótima esposa, não? - seus soluços saiam instantaneamente. Ele não estava fingindo.

- Por que, Cravendish?

- Ela me traiu, rapaz! Com toda Andharium!

- Ela o amava, homem! - minhas palavras saiam como labaredas saem da garganta de dragões. - Só queria ter o filho que você não podia lhe dar!

- Foi o que ela disse quando dormiram juntos, caro Roy?

Puta...

Merda...

A vaca falou.

Cravendish jogou seu enorme corpo em minha direção e ficou estagnado a um passo de mim. A vida sai lentamente de seu corpo. Os olhos amarelos ficavam cada vez mais vazios e o sangue no chão fazia um larga poça. E a flecha em minha mão cortava o algodão de sua camisa.

Eu matei o estaleiro.

Eu matei aquele maldito estaleiro.

As lendas de uma terra sem heróis. Volume 1 - A Flecha de Diamante.Onde histórias criam vida. Descubra agora