Olho por olho

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Mal conseguia encarar outros civis nos olhos sem se lembrar das barbaridades que ele e seus companheiros de pelotão causaram aos civis da nação inimiga. Foi uma guerra violenta que acabou com a vida de muitos e transformou a de outros.

Bob acordou naquele dia pensando que seria um dia comum no serviço, mas quando chegou percebeu que estava longe de sê-lo. Havia policiais por toda parte e um detetive. Bob era o vigia noturno do necrotério e chegando ao seu posto, perguntou ao vigia que encerrava turno:

- O que houve?

- Um novo serial killer, sua terceira vítima chegou mais cedo: um tiro na cara e uma bandeira a tiracolo.

A imagem que se criou na mente de Bob causou-lhe calafrios, não por ser repugnante - e ele conhecia bem a repugnância -, mas porque a cena o remetia a uma lembrança que o assombrara muitas noites ao voltar da guerra.

Assim Bob tomou seu posto na guarita enquanto o necrotério encerrava expediente e curioso com todo aquele rebuliço, durante a primeira ronda foi até a sala de necropsia onde a luz azulada revelou na mesa de inox um corpo sob o lençol. Enquanto se aproximava viu dobrada sobre uma bancada a bandeira de três faixas com escritos em verde no centro. Mais um calafrio.

Ao puxar o lençol para baixo, sentiu o peito parar; o cadáver tinha um buraco de bala no lugar do olho esquerdo e na cabeça recém-raspada um corte em V feito à faca.

- Asqueroso, não acha? - perguntou uma voz atrás de Bob que, assustado, sacou a arma e apontou para o desconhecido.

Bob o reconheceu de mais cedo e baixou a arma.

O detetive era um homenzinho gordo de cavanhaque. Usava um sobretudo preto e botas de borracha. Seus olhos castanhos eram de tonalidades diferentes.

- Bons reflexos. Pratica tiro?

- Não - respondeu Bob desajeitado. - O que faz aqui, detetive?

- Estou pensando.

- Lugar incomum para se pensar - comentou guardando a arma e voltando-se para o cadáver. - Não me espantei porque é asqueroso, mas porque conheço este homem.

- Conhece? - se interessou o detetive.

- Sim. Trabalhamos juntos.

- Jura? Onde?

- No governo.

- Entendo - murmurou. - Não fomos apresentados, meu nome é Will Homes.

- Homes? - debochou Bob com um riso. - Com um L você se tornaria um detetive e tanto.

O homenzinho deu uma risada abafada e retomou:

- Bom, sobre o da mesa aí, que tipo de trabalho vocês faziam?

- Confidencial.

- Tenho certeza que pode contar a um amigo.

- Posso. Quando eu arrumar um, eu conto - falou sério. - Agora, se não se importa, tenho uma ronda para fazer.

Dois dias depois foi deixado na porta do apartamento de Bob um amontoado coberto pela mesma bandeira vista no necrotério. O calafrio de novo. Era a bandeira do país contra o qual lutara.

Temeroso Bob se aproximou, tocou o amontoado e soube o que estava ali. O rosto do homem estava coberto de sangue, seu olho esquerdo substituído por um buraco. Sangue escorria do seu couro cabeludo.

A polícia chamada chegou um segundo depois de Bob citar o tal serial killer. O detetive Homes veio junto das viaturas e foi direto para a testemunha.

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