Ato I - Estava vazia como a distância de um minuto a outro no círculo do relógio

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“Volte a me assombrar...

(Uma longa pausa)

Vamos, estou esperando —

Esperando com ansiedade pelo momento em que, finalmente, o verei outra vez diante de mim.

Quero que todo esse pesadelo se torne em algo que eu possa apalpar”

Chovia como da última vez. O céu de um tom escuro-espectral, as estrelas alinhadas em um ponto fixo, como uma linha traçada. O vento, lá atrás, ecoando na floresta abandonado. A garota ouvia tudo, estava calma o suficiente — algo que nunca conseguiu.

Não nos sonhos.

E isso era um sonho.

“Você é a razão para que tudo isso exista...” — se lembrou, de modo indefinido, dos mesmos versos de ontem, sussurrados por àquele homem desconhecido (encapuzado com grandes vestes brunas. E no rosto, uma máscara...), que ocupava sua mente dia após dia, noite após noite.

“Um... Dois... Três...”

A menina estava de cócoras, formando círculos na água com o dedo indicador, ao mesmo tempo em que prendia a respiração em intervalos curtos, sussurrando repetidamente a mesma coisa:

“Um... Dois... Três...”

Neste momento, dentro do seu coração, tudo era diferente:

Os sentimentos.

As emoções.

Suas perspectivas, principalmente. Como se...

“Um... Dois... Três...”

Sentia medo — medo em estar diante daquele lago. Em saber que daqui a alguns minutos iria vê-lo de novo, dava arrepios. Uma parte dela queria confrontá-lo e perguntar sua verdadeira identidade. Mas não conseguia... Sempre que tentava perguntar-lhe algo, era impedida...

“Um... Dois... Três...”

Respirou fundo e retirou suas roupas. Não estava com vergonha, ao contrário, estava confiante e plenamente consciente — isso que a deixava abalada. Por mais que quisesse saber onde estava e estivesse com medo, ao mesmo tempo sentia que estava segura, de alguma forma. E que algo, um sentimento, uma emoção, talvez, trazia-lhe uma fidúcia que ia além dela mesma. Era uma montanha-russa de sentimentos, que se limitava apenas em girar, girar e girar.

Colocou a perna direita (ainda sussurrando sozinha), em seguida, após olhar para trás, colocou à esquerda. E com um grande suspiro de alívio, mergulhou nas profundezas escuras daquele lago.

Lá, com os olhos abertos, começou a cantarolar uma canção: “Preciso, desesperadamente, muito mais do que saciar a sede que queima em minha garganta, encontrá-lo e olhar dentro dos seus olhos. Mergulhar no mais profundo oceano e abraçá-lo. Não quero mais retornar a superfície. Quero me afogar, quero que as águas espremam meu pulmão até que não sobre mais nada.

Até que tudo se acabe.

E, se caso acabe, que seja por causa dele”

Sentia que fora forçada a cantarolar. Que fora forçada a expressar sentimentos que não sentia. Que fora forçada a entrar naquele lago e simplesmente esperar...

Ficou flutuando assim, quieta, silenciosa, afundando cada vez mais. Os olhos abertos, a boca delineada em um sorriso — sentindo, outra vez, algo a forçando —, desta forma esperou que a morte viesse buscá-la como uma amiga bem-vinda.

Mas a garota não sabia o quão frio poderia ser o abraço da morte.

Tudo foi muito rápido: em uma hora, a garota estava quase tocando o fundo daquele lago, no outro, encontrava-se deitada em cima da areia molhada da praia.

E o homem, encapuzado, olhava-a apreensivo.

O Doador de SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora