Capítulo II - Como tudo mudou

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Foi naquele dia!
Foi naquele dia que a minha vida começou a mudar, a mudar para muito pior.

Deviam ser duas da manhã quando acordei com os gritos da minha mãe. A minha primeira reação foi encolher-me no canto, mais próximo, do meu quarto. Fiquei lá, paralisada, sem saber o motivo dos gritos, até que eles se tornaram soluços. Foi nesse momento que percebi que ela estava a chorar.

Tinha apenas treze anos, mas ganhei coragem e levantei-me para poder começar a dar pequenos passos em direção à porta. Quando só faltava um metro entre mim e aquela enorme prancha de madeira, ela foi aberta com alguma brutalidade. Ao início fechei os olhos por reflexo, naquele momento só conseguia pensar que eram ladrões e que nunca mais sairia daquele quarto com vida. Mas o que eu menos esperava aconteceu, comecei a sentir-me apertada por dois braços e senti a respiração, dessa mesma pessoa, no meu pescoço. E sem mesmo ter tempo de abrir os olhos, essa pessoa sussurrou ao meu ouvido: "está tudo bem", diversas vezes. E foi depois de distinguir de quem era essa voz que consegui, finalmente, abrir os meus olhos e ver dois dos meus irmãos sentados na minha cama com a cabeça repousada entre as suas mãos, de forma a tapar as suas caras. Enquanto Sebastian apertava-me ainda mais entre os seus braços, eu não sei se ele me apertava para se acalmar a mim ou a ele.

Depois de alguns minutos nessas mesmas posições Sebastian largou-me, pegou-me pelos ombros e encarou-me por alguns segundos. Eu não sabia como reagir, eu não sabia o que se estava a passar. O polegar de Sebastian começou a acariciar a minha bochecha e foi nesse momento que ele disse uma das frases mais dolorosas que eu ouvi em toda a minha vida, "Hope, Nosso pai...nosso pai m-morreu". Não consegui acreditar, não podia ser possível. Sem conseguir aguentar o peso do meu corpo, cai de joelhos naquele chão gélido. Em menos de cinco segundos depois de ter caído senti os braços dos meus três irmãos a apertarem-me contra eles. Eu era a única que derramava lágrimas, mas eu sabia que de todos que estavam naquele quarto, eu não era a que sofria mais com a notícia.

Eu nunca fui próxima do meu pai, de vez em quando até tinha a impressão que ele nunca me amou. Mas eu o amava, sempre o amei. Ele podia ter uma mentalidade muito fechada, mas era um bom pai e um bom marido. Nunca levantou a mão nem a mim, nem à minha mãe, mas eu sabia que ele já chegou a levantar-la para os meus irmãos, mas nunca foi fora do treino. Eles até podiam chegar a sangrar ou cheios de nódoas negras, mas mal entravam em casa o meu pai levava-os logo para a sala para poder desinfetar todas as feridas. Ele sempre fez de tudo para que não nos faltasse nada e que nunca passássemos fome.

Durante os seus últimos anos de vida, ele começou a ter vários problemas de saúde, que acabaram por complicar bastante a sua respiração. Mas nessa semana de janeiro, o Sr. William apanhou um resfriado muito forte, e seus pulmões começaram a falhar cada vez mais. E às duas da manhã, numa bela noite de inverno, eles não aguentaram e pararam de trabalhar, deixando para trás uma mulher que já não tinha voz de tanto gritar, três rapazes que faziam de tudo para segurar as lágrimas e para manter um sorriso na cara e uma menina, que pela primeira vez, descobriu o verdadeiro significado da palavra "dor".

<< quebra de tempo >>

Depois desse dia, o ambiente dentro da nossa casa nunca foi o mesmo.

A minha mãe começou a chorar todas as noites, enquanto que eu ficava deitada na minha cama a ouvir os seus soluços e a deixar uma ou duas lágrimas saírem dos meus olhos. Ela passou quase um mês inteiro sem sair do quarto e era eu que acabava por ter que fazer o almoço para os meus irmãos. Antes de todas as refeições, levava um tabuleiro com comida para que a nossa mãe pudesse continuar a alimentar-se.

No fim das três primeiras semanas, ela começou a devolver os tabuleiros com a comida ainda intacta. Eu e os meus irmãos não sabíamos o que fazer, não podíamos permitir-nos de perder outro membro da nossa família em menos de dois meses. Mas Deus não ouviu as nossas preces.

Enfermeira com destino marcadoOnde histórias criam vida. Descubra agora