Capítulo 2
Aquela tarde medonha
Se havia algo que conseguia fazer Aurélio se concentrar ao máximo, era o futebol de botão.
Ironicamente, o garoto só conseguia se sentir à vontade disputando com os mais velhos, os amigos de sua idade não tendo qualquer aptidão para o esporte. Haviam crescido jogando videogame; a lógica era outra. Aurélio não desprezava os games, porém não olhava com desdém para o futebol de botão como sua geração fazia. Bruno e Gabriel, seus colegas mais chegados, haviam tentado jogar algumas vezes, talvez devido a serem contagiados pela paixão que ele tinha por aquilo... Porém se mostraram péssimos praticantes – por mais que Aurélio tentasse ensiná-los. Gui, por sua vez, sempre torcera o nariz para o jogo, e por certo reclamaria muito quando descobrisse que ele não fora ao parque para participar do campeonato. Se bem que, nos últimos tempos, o menino vinha se perguntando a respeito do que a amiga poderia realmente gostar, se esse algo existisse...
De qualquer modo, jogar botão exigia técnica. Alguém que não conhecia o esporte, apenas observando, poderia resumi-lo em mover as peças com a palheta para que o pequeno disco representando a bola passasse entre o goleiro e as traves do gol – mas era bem mais complexo. Tornava-se necessário aplicar a força certa na palheta para cada situação na mesa, e Aurélio passara bastante tempo treinando para se aperfeiçoar nisso. Assim, colocar muita pressão num botão na frente do gol ou mover de leve uma peça em meio de campo poderiam ser erros dando larga vantagem ao adversário. Este, no caso, era representado pelos discos pretos do time do Vasco da Gama, movido na mesa pelas hábeis mãos do Seu Luís, velho jogador de botão raramente vencido nos campeonatos.
Havia um círculo de pessoas em torno de Garrincha, e o quintal da casa do avô Genaro estava cheio como só ficava nos dias de disputa. Toda a vizinhança comparecera, e até mesmo alguns moradores do bairro que tinham vindo de quarteirões mais afastados. Os campeonatos se tornavam famosos, despertando principalmente a curiosidade daqueles que desejavam relembrar ou conhecer a prática esquecida do futebol de botão. Dona Lídia, a costureira, viera como sempre, trazendo desta vez também o marido – que jogara muito aquilo na infância e que já deixara seu pedido para tomar parte no campeonato do mês seguinte. Tomás, o senhor careca da farmácia, viera com um primo; e Laerte, da transportadora, chegara com dois filhos da idade de Aurélio – que, no entanto, não quiseram jogar, por desinteresse ou vergonha, limitando-se a assistir.
A chave do campeonato estava disputada aquele dia. Aurélio, que acabara optando pelos botões verdes do clube paulistano Palmeiras, já vencera por cinco a dois Odair, amigo do avô: um botonista apaixonado, mas sem muita habilidade de jogo. Agora encarava o vencedor da outra partida, Seu Luís, na semifinal – uma verdadeira muralha negra em campo com seus botões do Vasco; e o garoto ainda torcia para não ter de disputar a final com Seu Fernando, outro jogador experiente.
Tendo Aurélio atingido seu limite de toques, era a vez de Seu Luís. A bola se posicionara pouco além do meio de campo, em direção à área do Vasco. Procurando livrar-se do perigo e esboçar um contra-ataque, o idoso, com sua palheta, impulsionou um botão para tirar o pequeno disco dali... mas acabou, numa careta, fazendo força demais, e o jogador acelerado voou sobre uma das peças de Aurélio, errando a bola.
– Falta! – avisou o avô Genaro, atento à partida de um dos lados da mesa.
De fato era, já que a regra estabelecia ser falta o choque de um botão com outro do time oposto. Contente com a sorte, o garoto se preparou para "chutar" o tiro livre rumo ao gol adversário. As disputas terminavam em cinco gols, e por enquanto aquela estava empatada em dois a dois. Qualquer vantagem era bem-vinda.
Tendo o botão posicionado, Aurélio preparou a palheta, olhos fixos na mesa...
E a peça se moveu com a velocidade certa, dando impulso à bola. O artefato atravessou Garrincha... passando pelo flanco do retangular goleiro adversário e estalando no interior da rede de plástico compondo o gol.
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O Legado de Avalon: O Garoto, O Velho e A Espada - DEGUSTAÇÃO
FantasyQuando a lenda termina... a aventura começa. Desde que a feiticeira Morgana Le Fay passou a perseguir e aniquilar os poucos descendentes do Rei Arthur, a Ordem de Excalibur encarregou-se de espalhá-los pelas colônias e países amigos do antigo Imp...