Agora danou-se !!

Não dedure sobremesa antes da janta !!

- É O QUE ?!?!??! - eu praticamente gritei e levantei a cabeça de uma vez, logo depois de escutar o Fábio falando que era adotado !!! 

A Professora olhou pra gente com uma vontade danada de nos mandar embora da sala, mas o Fábio olhou pra ela com cara de cachorro pidão e pediu desculpas, assim que eu me recuperei do choque também pedi desculpas. 

- Como é que é ??? - falei mais baixo. Ele riu do meu espanto e voltou a deitar a cabeça nos braços. 

- Calma lá, Gritona - eu olhei torto pelo apelido e também coloquei os braços na mesa, mas não deitei, fiquei com o queixo apoiado nas costas da mão, prestando toda a atenção ao menino na minha frente. 

Por um tempinho, ele só ficou olhando pros meus olhos, talvez pensando se valia a pena me contar a história dele. Então se decidiu. 

- Meus pais biológicos morreram quando eu era pequenininho, uns 5 anos acho. Foi um acidente também, mas eu não quis ir atrás dos detalhes... Já deve imaginar o porquê, né? - ele soltou um daqueles risos sem emoção nenhuma e voltou a contar. - Eu fui morar com a minha tia, que agora eu chamo de mãe, ela já tinha dois filhos e uma filhinha menor que eu. Foi difícil pros meninos entenderem o porquê de eu estar ali, invadindo a casa deles. Foi um deles que me dedurou sobre o chocolate, só que o tiro saiu pela culatra, já que a minha tia deu a ideia do julgamento de brincadeira, e todo mundo amou... A gente foi crescendo e eles ficaram cada vez mais nervosos comigo lá na casa, meu tios também. Eu deixei todo mundo em maus lençóis - outro riso sem graça. - Em algum momento da minha adolescência, começou a ter umas brigas entre minha tia e meu tio, já que ele não entendia porquê ele tinha que ficar me bancando. Minha tia começou a cansar de tudo ser culpa dela e desistiu de me defender. Meus primos foram pra faculdade, mas mesmo assim eles não conseguiam me engolir ali. Sempre que estavam em casa achavam um jeito de me atazanar, era como se fossemos crianças de novo, brincando de lutinha. Eu também parei de me defender, tinha meses que eu ficava na casa da minha vó ou na do MM e do Igor. Eu não fazia questão de voltar pra lá e eles não faziam questão de me procurar. Mas ai meu tio ficou puto da vida quando eu levei a Bia pra ir junto comigo pra dormir na minha avó, ele me xingou e disse que eu não tinha direito nenhum nem de falar com ela. Com o tempo, ela foi me contando coisas que não contava pros pais, fiquei sabendo da primeira nota baixa, da primeira recuperação, do primeiro amor, tudo. Até do sonho dela de ser professora. Mas eles não deixariam a filhinha deles se "rebaixar" tanto assim, eles tentavam desestimular ela, e a menina ainda era uma criança, era horrível de ver. Então eu fiz um acordo com o meu tio... eu seria advogado no lugar da Bia. Eu deixaria meu futuro nas mãos do meu tio, foda-se. O que mais me importava era minha prima... se ela estivesse feliz, eu também estaria.

Enquanto ele ia falando, seus olhos foram perdendo o brilho. Ele fazia caretas de nojo, de ódio, de tristeza. Olhava pra mim, mas não me via, eu sabia, ele via o pequeno Fábio, que não tinha família e que não tinha com quem ficar. Ele reviveu toda a dor dele contando tudo para mim. Mas eu vi a alegria quando ele falou da prima, a Bia. Ela devia ter uns 13 anos agora... E não devia fazer ideia do quanto o primo a amava. 

Mesmo depois que parou de falar, ele não voltou pra realidade, ficou lembrando das coisas. Eu não sabia como reagir, aquele não era o Fábio de sempre, era outro, que eu não fazia ideia que existia. Então eu lembrei que o MM disse que ele não era alegre o dia todo. É claro que os dois já sabiam. Meu peito se apertou com a imagem do Fábio sendo qualquer coisa que não feliz. Eu coloquei uma mão no rosto dele. 

- Não desista... - não sei pra quem eu falei, se para mim ou para ele. Então ele olhou pra mim e eu senti quando houve uma mudança em seus olhos, antes cheios de amargura, agora estavam cheios de compaixão. Ele colocou a mão em cima da minha e fechou os olhos, como eu tinha feito.