Parte 1

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Lembro-me bem daquele dia, sinto os ventos no meu rosto como se fosse hoje.

PIETRA

Era um dia de sol, estava um tempo fresco pois estava na época do outono. Zoe e eu estávamos correndo pelo jardim, que nessa época do ano ainda estava com as flores bem coloridas. O cabelo da minha irmã, loiro como o dourado do sol, refletia brilho sempre que batia um feixe de luz, jogado ao vento mexendo como se tivesse dançando em cada movimento. Era magnífico. Preciso confessar que Zozo (o apelido do qual eu a chamo) sempre foi a filha e irmã exemplar, mas não vou tocar nesse assunto por agora. Eu sempre achei nosso jardim muito bonito; tinha árvores, um riacho, banquinhos para sentar e, na frente do castelo, tinha um labirinto de arbustos. Parecia coisa daqueles filmes de romance de época. Ainda eram 15 horas e, em 1990, minha maior preocupação era brincar com minha irmã, pois tínhamos tempo para isso, já que nossas aulas eram no castelo com professores particulares.

Umas 17 horas, nossa mãe, a rainha Helena (como ela sempre faz questão de lembrar) nos chamou pois estava anoitecendo, iria esfriar e tínhamos que jantar. Zozo e eu apostamos na corrida até o castelo e ela ganhou, ela tinha bem mais fôlego do que eu.

- Vamos, Pedrita, corre - dizia rindo e correndo na minha frente.

- Tô indo, tô indo - falei correndo atrás dela, tentando a acompanhar.

Chegamos no castelo e fomos para nossos quartos tomarmos banho. Eu não sei como era o quarto de minha irmã pois meus pais fizeram questão de deixar nossos quartos separados - um de cada lado da casa -, só não sei o porquê.

Meu quarto tinha uma cama de casal redonda central pendurada no teto e lustres de diamantes. As paredes eram lilás e tinha uma cortina branca que cobria a frente de uma porta francesa, na qual quando abria, dava na varanda com vista para os montes. Enquanto eu estava no banheiro me arrumando, lembro-me que ouvi uma criança rindo atrás de mim - estranho, pois ninguém entrava no meu quarto além das serviçais e eu. Me assustei e saí correndo do jeito que eu estava e falando que tinha alguém em casa. Minha mãe riu de mim e me mandou voltar para terminar de me arrumar (segundo ela, eu estava inventando).

Chegou a hora do jantar. Nos reunimos na sala que também era enorme para o número de pessoas que moravam ali. Tínhamos uma mesa real com lugar suficiente para 50 pessoas, mas só tinham 5 pessoas na família: Helena, Zoe, meu pai (que era o rei) Henry e minha avó paterna.

Lembro que a vovó tinha um apelido, mas não me recordo bem, vou chamá-la de vovó mesmo para facilitar. Ela era um amor com minha irmã e comigo, éramos os tesouros dela mas, por algum motivo, naquela noite ela não estava jantando com a gente. Estranhei aquilo, a hora do jantar era uma hora sagrada demais para minha avó e eu só pensava "ela não está aqui? O que houve?". Não fiz perguntas para não estressar meus pais - eles já estavam estressados por causa das coisas do reino.

Depois da janta, fui levada diretamente para o meu quarto e, depois de 10 anos morando ali, percebi algo: eu nunca pude ir à biblioteca principal ("principal" pois lá no castelo tem 2 bibliotecas: uma principal e a outra para coleções). "O que tem na biblioteca que eu não posso ver?" pensei comigo mas não pude fazer nada além de ir para meu quarto. A serviçal que estava me guiando, me contou uma história cujo tinha fadas e dragões:

- Senhorita Pietra, chegou a hora de dormir - disse Tiffany, a empregada.

- Me conta uma história? Estou com medo de dormir sozinha - disse eu, que tinha muito medo de escuro mas não sabia o porquê.

- Está bem, senhorita, vou contar a história que eu contava para meus filhos.

Lá estava ela contando aquela história, na qual as fadas tinham que salvar o planeta porque dragões alienígenas estavam invadindo a Terra. Confesso que eu ri com essa história e me relaxou, me fazendo pegar no sono.

Acordei no meio da noite, era normal até porque eu tinha vontade de ir ao banheiro a maior parte do tempo, mas nessa noite foi diferente: eu, de alguma forma na qual não me lembro, consegui ir no quarto da Zozo. Acordei a mesma e expliquei sobre a biblioteca. Ela deu a ideia de irmos até lá e entrar escondidas e eu aceitei. Fomos na pontinha dos pés para não fazer barulho e sermos pegas, pois como o castelo era antigo, qualquer movimento em falso faz um barulho que acorda a todos. Chegamos na biblioteca principal e, para nossa surpresa, estava aberta. Entramos mais por causa da sombra de uma luz azul, aquilo me atraía de tantas formas que eu nem sei explicar. Abrimos a porta mais um pouco para passar e, sem acreditar, vimos nossos pais lá dentro, com as mãos dadas, repetindo tal frase:

- Universo, traga toda sua sabedoria através desse corpo. - e o corpo da vovó estava sob a mesa, com facas nos pulsos e brilho azul saindo de dentro dela.

Me assustei com aquilo e Zozo também, mas como não podíamos gritar, choramos baixinho, saímos de lá e voltamos para nossos quartos. Não sei se minha irmã não conseguiu dormir naquela noite.

Uma semana mais tarde, eu ainda não tinha conseguido dormir direito, sempre que eu fechava os olhos, eu lembrava daquela cena. Talvez fosse hora de conversar com minha irmã de novo.

- Zoe, posso falar com você? - digo com a voz trêmula, chegando perto da porta de seu quarto escondida.

- O que pensa que está fazendo, Pietra? Quer que a mamãe veja você aqui perto? Anda, vamos lá pra fora! - disse ela, me arrastando até o jardim - Então, o que você quer falar?

Percebi que ela também não estava bem, deveria estar tão assustada quanto eu, ou até mais.

- Você está bem, Zozo? - Pergunto, mesmo já sabendo a resposta.

- Você só deve estar de brincadeira comigo, né, garota! - disse ela saindo de perto de mim bufando.

Bom, eu não sei o que eu fiz de errado, só queria ajudar.

Minha irmã voltou para o castelo e eu fiquei pelo jardim, resolvi entrar no labirinto. Que droga, eu não reconhecia mais minha própria irmã. Enquanto eu andava pelo dédalo sem prestar atenção ao caminho, ouvi risos. Merda, uma menina de 10 anos sozinha ali e ouve risos? Comecei a correr contra o barulho até que tropecei e caí numa parede de grama, me levando direto para a biblioteca principal. Me assusto ao ver onde estou e minha cabeça fica confusa, talvez eu estivesse sonhando, mas essa ideia cai por terra assim que ouço minha mãe e meu pai se aproximando do mesmo local onde eu estava. Sem pensar duas vezes, vou para trás, retornando pelo lugar no qual fui jogada, e acabei voltando para o labirinto. Fiquei sem entender mais ainda, mas fui testar uma teoria. Entrei numa outra parede aleatória do mesmo e saí do lado de trás do castelo. Sacudi minha cabeça e corri para dentro, indo em direção ao meu quarto sem falar nada com ninguém. Durante meu banho, pude pensar mais um pouco e deduzi: minha família não é normal, tenho certeza, e o labirinto é usado como portal para o castelo e vice-versa. Só é preciso saber utilizá-lo corretamente.

No final do meu banho, coloquei um pijama e desci para beber um copo d'água. Já era tarde na noite então não tinha muitas pessoas em pé, além dos seguranças e serviçais que trabalhavam durante a noite. Bebi a água e voltei para meu quarto, onde fiquei pensando em várias coisas. Droga, como foi que minha vida ficou de ponta cabeça?

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Na beira da emoçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora