Aquela cena me choca. Zoe entra sozinha no labirinto. No mesmo lugar que eu não entro há meses. Decido seguir essa menina, sempre mantendo certa distância. Incrível é o feito que ela faz de conseguir não acertar nenhum portal e, depois de um tempo, eu entendo que ela está indo para o centro.
Ao chegar no local, decido ficar no corredor olhando entre as folhas. Tem um homem e uma mulher. Ambos são altos e loiros - tão loiros que brilham. A moça está com um vestido rodado, como os das princesas que eu vejo nos filmes. O homem está com um terno elegante, como os do papai nas festas que acontecem aqui. Observo que esse casal entrega algo para minha irmã e começo a me sentir estranha em relação a estar ali. É como se não tivéssemos apenas nós quatro. Quando me levanto do chão e me viro para correr, bato em Bianca, que estava com uma expressão de medo. Deixo escapar um grito e torço para que ninguém tenha escutado, mas foi em vão.
— Pietra? — Ouço a voz de Zoe ressoar em alto e bom som. Fico calada por medo de acontecer alguma coisa. Pego a mão de Bianca e corro com ela. Acabo passando um portal e entrando no porão do castelo. Eu vinha aqui para brincar, quando era tudo normal. Me sentei encostada em algumas tralhas que estão ali e releio aquele papel.
— Bianca, foi você que escreveu isso? — Pergunto àquela mulher parada perto de mim.
— Sim, Pietra, foi preciso. Eu... Eu... — Ela demora para falar. — Eu precisava te alertar sobre isso. Essa família não é o que se diz ser, ninguém é confiável.
Nessa hora eu já estava em prantos, ficando assustada e percebendo tudo de estranho que eu já havia visto por aqui. Eu não poder ir para a escola, não poder entrar no quarto da minha irmã, a biblioteca principal ser fechada, o sacrifício - essa é a palavra correta? - da vovó, meus pais quase não aparecerem pelos corredores do castelo, esse labirinto que sempre dá para dentro daqui...
Me levanto rápido, deixando a carta cair de minhas mãos e corro. Corro o mais rápido que eu posso até o corredor de entrada, onde fica a porta de entrada e saída do porão. Tranco a porta por fora e jogo a chave por debaixo da porta. Seco as lágrimas e me viro para ir até a cozinha, precisava beber alguma coisa. Qualquer coisa.
Chego na cozinha. Ninguém. Nem mesmo as serviçais que trabalham aqui. Abro a geladeira, pego água e sal. Água salgada para eu sentir alguma coisa. Desce horrivelmente ruim, mas me faz lembrar de que eu ainda estou aqui.
Ao colocar o copo no balcão, me sinto seca por dentro por causa do sal misturado na água. Penso em ir ver meu pai, faz dias que não o vejo, nem deve estar no castelo. Minha mãe, a mesma coisa. Decidi voltar ao meu quarto e pego o livro "A maldita vida de Lucas" logo depois de tomar um rápido banho.
— Pelo menos alguém também tem uma maldição de família — Falo baixinho apenas e somente para eu ouvir num tom quase de sussurro.
Passo a noite lendo que só percebi que o dia amanheceu por causa do canto dos pássaros de fundo. Hoje decidi passar o dia no quarto, sem ver ninguém, apenas Tiffany, dizendo como era bom não trabalhar aqui.
Ao anoitecer, já de banho tomado e um pijama cor lilás monocromático. Pela primeira vez depois de algum tempo, como na bancada junto de minha irmã e, incrivelmente, meus pais.
A trama e a curiosidade percorrem o corpo de 1,58 de altura tentando descobrir o que aconteceu para sumirem, mas, no momento em que meus olhos encontram os deles, lembro da imagem de minha avó deitada, sem vida, na biblioteca principal.
Passei o jantar sem dizer uma palavra. Eu não tenho contato com crianças da minha idade, mas acho que minha vida não deveria ser essa. Enquanto deixo meu prato e me viro para voltar ao meu quarto, vejo minha irmã conversando com meus pais. "Como ela consegue?" — penso. Eu só conseguia sentir repulsa e medo. Termino de subir até meu quarto e tranco a porta atrás de mim. Olho no relógio e são 23h, então resolvo tomar um banho para relaxar e voltar para meu paraíso imaginário.
Ligo a torneira para encher minha banheira e, quando está três quartos cheia, desligo a água. Sento nela, com a água gelada tocando cada centímetro do meu corpo. Me deito na água e apenas aproveito esse momento. Em silêncio. Apenas eu. Por enquanto.
Relaxo completamente, quase totalmente submersa na banheira. Me dou conta de que ainda estou ali, quando sinto água morna e salgada descer pelo meu rosto involuntariamente. Estou chorando, droga. Afundo meu rosto na água fria e passo a mão por ele, tirando todo resquício de lágrima que ainda está aqui. Saio da banheira e visto um pijama, enquanto meu cabelo seca. Olho novamente no relógio e está marcando 23:57. Ainda estamos no mesmo dia. Maravilhosa notícia. Eba.
— E se eu fugisse? — A ideia passa pela minha cabeça várias vezes, confesso, mas logo seguida de uma risada irônica e umas balançadas de cabeça.
Ligo meu toca fitas e coloco uma fita com uma playlist de rock, da minha banda favorita. Por mais fofo que meu quarto fosse, meu gosto musical era peculiar para uma princesa. Para uma criança.
A música começa a tocar e aumento o volume. Por aqueles minutos, esqueço do resto e imagino meu mundo perfeito. E, não pela primeira vez, vejo a mim mesma em outro país. Longe dali. Longe de toda porcaria real. A imagem irreal em minha cabeça faz eu entrar em êxtase ao ponto de eu começar a rir e ver meu mundo ao redor daquele jeito que eu tanto queria. Pego uma caneta perto da minha cama e começo a cantar junto com o cantor na música.Realmente liberando minha voz. Sendo eu mesma. Me libertando de toda pressão que vem me assolando nesses últimos meses.
Nem percebo o tempo a passar e quando a música acaba, me dou conta de que ainda estou no mesmo quarto lilás de sempre. Com o mesmo pijama, cabelo já seco. Paro de dançar e me dou conta de que estou novamente na monotonia da minha vida chata de anos. Olho no relógio de novo.
02h43min. Dois de dezembro de 1990. 11 anos.
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Na beira da emoção
Mystery / ThrillerPietra e Zoe são filhas dos Reis da Escócia, a rainha Helena e o rei Henry. Ambas tem 10 anos mas são tratadas de formas diferentes por seus familiares, até algo acontecer. 🔴Alerta gatilho🔴