Parte 3

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Aquela cena me choca. Zoe entra sozinha no labirinto. No mesmo lugar que eu não entro há meses. Decido seguir essa menina, sempre mantendo certa distância. Incrível é o feito que ela faz de conseguir não acertar nenhum portal e, depois de um tempo, eu entendo que ela está indo para o centro.

Ao chegar no local, decido ficar no corredor olhando entre as folhas. Tem um homem e uma mulher. Ambos são altos e loiros - tão loiros que brilham. A moça está com um vestido rodado, como os das princesas que eu vejo nos filmes. O homem está com um terno elegante, como os do papai nas festas que acontecem aqui. Observo que esse casal entrega algo para minha irmã e começo a me sentir estranha em relação a estar ali. É como se não tivéssemos apenas nós quatro. Quando me levanto do chão e me viro para correr, bato em Bianca, que estava com uma expressão de medo. Deixo escapar um grito e torço para que ninguém tenha escutado, mas foi em vão.

— Pietra? — Ouço a voz de Zoe ressoar em alto e bom som. Fico calada por medo de acontecer alguma coisa. Pego a mão de Bianca e corro com ela. Acabo passando um portal e entrando no porão do castelo. Eu vinha aqui para brincar, quando era tudo normal. Me sentei encostada em algumas tralhas que estão ali e releio aquele papel.

— Bianca, foi você que escreveu isso? — Pergunto àquela mulher parada perto de mim.

— Sim, Pietra, foi preciso. Eu... Eu... — Ela demora para falar. — Eu precisava te alertar sobre isso. Essa família não é o que se diz ser, ninguém é confiável.

Nessa hora eu já estava em prantos, ficando assustada e percebendo tudo de estranho que eu já havia visto por aqui. Eu não poder ir para a escola, não poder entrar no quarto da minha irmã, a biblioteca principal ser fechada, o sacrifício - essa é a palavra correta? - da vovó, meus pais quase não aparecerem pelos corredores do castelo, esse labirinto que sempre dá para dentro daqui...

Me levanto rápido, deixando a carta cair de minhas mãos e corro. Corro o mais rápido que eu posso até o corredor de entrada, onde fica a porta de entrada e saída do porão. Tranco a porta por fora e jogo a chave por debaixo da porta. Seco as lágrimas e me viro para ir até a cozinha, precisava beber alguma coisa. Qualquer coisa.

Chego na cozinha. Ninguém. Nem mesmo as serviçais que trabalham aqui. Abro a geladeira, pego água e sal. Água salgada para eu sentir alguma coisa. Desce horrivelmente ruim, mas me faz lembrar de que eu ainda estou aqui.

Ao colocar o copo no balcão, me sinto seca por dentro por causa do sal misturado na água. Penso em ir ver meu pai, faz dias que não o vejo, nem deve estar no castelo. Minha mãe, a mesma coisa. Decidi voltar ao meu quarto e pego o livro "A maldita vida de Lucas" logo depois de tomar um rápido banho.

— Pelo menos alguém também tem uma maldição de família — Falo baixinho apenas e somente para eu ouvir num tom quase de sussurro.

Passo a noite lendo que só percebi que o dia amanheceu por causa do canto dos pássaros de fundo. Hoje decidi passar o dia no quarto, sem ver ninguém, apenas Tiffany, dizendo como era bom não trabalhar aqui.

Ao anoitecer, já de banho tomado e um pijama cor lilás monocromático. Pela primeira vez depois de algum tempo, como na bancada junto de minha irmã e, incrivelmente, meus pais.

A trama e a curiosidade percorrem o corpo de 1,58 de altura tentando descobrir o que aconteceu para sumirem, mas, no momento em que meus olhos encontram os deles, lembro da imagem de minha avó deitada, sem vida, na biblioteca principal.

Passei o jantar sem dizer uma palavra. Eu não tenho contato com crianças da minha idade, mas acho que minha vida não deveria ser essa. Enquanto deixo meu prato e me viro para voltar ao meu quarto, vejo minha irmã conversando com meus pais. "Como ela consegue?" — penso. Eu só conseguia sentir repulsa e medo. Termino de subir até meu quarto e tranco a porta atrás de mim. Olho no relógio e são 23h, então resolvo tomar um banho para relaxar e voltar para meu paraíso imaginário.

Ligo a torneira para encher minha banheira e, quando está três quartos cheia, desligo a água. Sento nela, com a água gelada tocando cada centímetro do meu corpo. Me deito na água e apenas aproveito esse momento. Em silêncio. Apenas eu. Por enquanto.

Relaxo completamente, quase totalmente submersa na banheira. Me dou conta de que ainda estou ali, quando sinto água morna e salgada descer pelo meu rosto involuntariamente. Estou chorando, droga. Afundo meu rosto na água fria e passo a mão por ele, tirando todo resquício de lágrima que ainda está aqui. Saio da banheira e visto um pijama, enquanto meu cabelo seca. Olho novamente no relógio e está marcando 23:57. Ainda estamos no mesmo dia. Maravilhosa notícia. Eba.

— E se eu fugisse? — A ideia passa pela minha cabeça várias vezes, confesso, mas logo seguida de uma risada irônica e umas balançadas de cabeça.

Ligo meu toca fitas e coloco uma fita com uma playlist de rock, da minha banda favorita. Por mais fofo que meu quarto fosse, meu gosto musical era peculiar para uma princesa. Para uma criança.

A música começa a tocar e aumento o volume. Por aqueles minutos, esqueço do resto e imagino meu mundo perfeito. E, não pela primeira vez, vejo a mim mesma em outro país. Longe dali. Longe de toda porcaria real. A imagem irreal em minha cabeça faz eu entrar em êxtase ao ponto de eu começar a rir e ver meu mundo ao redor daquele jeito que eu tanto queria. Pego uma caneta perto da minha cama e começo a cantar junto com o cantor na música.Realmente liberando minha voz. Sendo eu mesma. Me libertando de toda pressão que vem me assolando nesses últimos meses.

Nem percebo o tempo a passar e quando a música acaba, me dou conta de que ainda estou no mesmo quarto lilás de sempre. Com o mesmo pijama, cabelo já seco. Paro de dançar e me dou conta de que estou novamente na monotonia da minha vida chata de anos. Olho no relógio de novo.

02h43min. Dois de dezembro de 1990. 11 anos. 

Na beira da emoçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora