3. Bruxaria, heresia e inquisição.

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Feitiçaria, religião pagã e folclore foram os primeiros três elementos
formadores da bruxaria europeia; a heresia cristã era o quarto. Quando se
iniciou a caça às bruxas, no fim da Idade Média, as suas crenças mais
importantes eram: as cavalgadas noturnas; o pacto com o Diabo; o repúdio
formal ao cristianismo; as reuniões secretas e noturnas; a profanação da
eucaristia e do crucifixo; a orgia; o infanticídio sacrifical; e o canibalismo. Cada
um desses elementos foi incorporado à tradição da bruxaria por causa da
heresia, ou, pelo menos, substancialmente modificada por ela.
A ideia de pacto era crucial, porquanto serviu de remate para a demonização
do feiticeiro. Um maleficus era, agora, por definição, alguém que faz um pacto
com Satã. O pacto ajudou a distinguir a bruxaria da possessão. O Diabo pode
possuir uma pessoa contra a vontade dela, mas o pacto, pelo contrário, é
sempre voluntário. A bruxa, portanto, serve ao Diabo por sua livre e espontânea
iniciativa. A ideia de pacto começou a adquirir notoriedade no século VIII,
quando Paulo, o Diácono, um dos conselheiros de Carlos Magno, traduziu uma
história grega do século VI sobre um sacerdote chamado Teophilus, que teria
alcançado o episcopado ao prometer ao Diabo que renunciaria a Cristo. O
motivo do pacto, na lenda medieval, culminou na história de Fausto, o grande
mago fictício da Renascença que firmou um pacto com o Demônio a fim de
obter sabedoria e prazer sexual. A lenda misturou as tradições da magia
superior e inferior, e manteve-se popular durante séculos, como testemunham
o Dr. Fausto, de Marlowe (século XVI), e Fausto, de Goethe (século XIX).
Uma história típica foi contada pelo arcebispo Hincmar, de Reims, em 860.
Um jovem recorreu a um feiticeiro a fim de obter os favores de uma jovem. O
feiticeiro concordou em ajudá-lo, mas sob a condição de que ele renunciasse a
Cristo por escrito. O rapaz concordou e o feiticeiro escreveu ao Diabo uma carta
expressando sua esperança de que o Senhor das Trevas ficasse satisfeito com o
seu novo recruta. O feiticeiro entregou a carta ao jovem e instruiu-o para que
saísse de noite e erguesse a carta no ar. Nessa mesma noite, o rapaz saiu e, de
acordo com as instruções, ergueu um braço com a carta no ar, ao mesmo tempo
que implorava a ajuda de Satã. O Príncipe do Poder das Sombras apareceu e
conduziu-o à presença de Satã, que examinou o rapaz parodiando o rito do
batismo. “Crês em mim?”, perguntou o Diabo. “Creio”, respondeu o jovem.
“Renuncias a Cristo?” “Sim, renuncio.” “Vocês, cristãos, sempre me procuram
quando estão em apuros e necessitam de ajuda, mas depois tentam arrepender-
se, confiando na misericórdia de Cristo. Quero que me prometas por escrito a
tua fidelidade, para que não haja possibilidade de fuga.”
O rapaz concordou e o Diabo, em retribuição, fez com que a jovem se
apaixonasse por ele. Ela pediu a seu pai que a desse em matrimônio ao jovem,
mas o pai recusou, pois desejava que ela ingressasse em um convento. A moça
percebeu que estava sob o poder de demônios, mas foi incapaz de resistir; disse
ao pai que morreria se não se casasse com o jovem. Mas este não pôde continuar
com a impostura e confessou. Pela intervenção de São Basílio, a jovem foi resgatada das mãos do Diabo e entrou recatadamente no convento para ser
freira; o rapaz retornou a uma boa vida cristã. A história é um típico exemplum,
um conto moral a ser explorado em sermões e pregações.
O pacto, porém, não se restringiu às historietas edificantes e pedagógicas. Foi
a base da transformação do feiticeiro em herege. Se alguém rendeu culto a Satã,
segue-se que acreditava poder ser salvo por Satã da justiça de Deus, o que é
heresia; se renunciou a Cristo como seu Senhor e colocou o satanismo no seu
lugar, cometeu a mais desprezível e perigosa de todas as heresias.
As mais antigas heresias da Idade Média estavam longe de ser diabólicas; a
maioria delas, pelo contrário, caracterizava-se por um fervoroso desejo de
reforma moral da Igreja. Mas a partir do século VIII, alguns elementos de
bruxaria foram incorporados à heresia, ou, pelo menos, àquilo que as pessoas
acreditavam ser heresia. Depois, em 1022, um evento ligou de modo decisivo
heresia e bruxaria.

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