Ana

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O chão era frio e Ana pisava descalça no mármore branco e gelado daquela sala. Estava um pouco escuro, não viu móvel algum, mas percebeu que o lugar era grande. O seu teto era alto e havia colunas imensas espalhadas pelo local, como se ela estivesse trancada em uma das salas de um museu fechado. Conseguia apalpar as paredes como se aquilo fosse real, mas não sabia como havia chegado ali; na verdade, sua última lembrança era a do seu quarto no Lar.

De repente Ana ouviu vozes e logo se escondeu atrás de uma das colunas.

- Não, eu não acho prudente procurá-la antes do tempo. O amuleto não tem serventia alguma para nós se ele não for ativado e eu sei que ela ainda não o possui. Temos que ter certeza absoluta de que ela é a escolhida.

A voz do homem estava mascarada e Ana viu apenas sua figura esguia coberta por uma espécie de capa.

- Mestre, se talvez, logo depois que ela receber o amuleto, a mantivermos nossa refém, forçaremos ela a cooperar conosco. - Disse a mulher.

Ana tremia, continuava sem reconhecer aquele local e sentia aquelas pessoas aproximarem-se cada vez mais da coluna em que estava escondida.

- Você não entendeu! - Brandiu a voz anterior, de maneira que a mulher estremeceu. - Tudo tem que ser planejado com a maior cautela. Se o rei desconfiar de algo, a masmorra será a nossa sentença mínima. A garota tem muito poder. Além de herdeira do trono de Jamar, ela é a filha de Isabel e Tarso, descendentes das hierarquias mais poderosas que o reino já viu. A ratinha que eles deram à luz foi proclamada o ser mais poderoso de todos os universos em mil anos pela profecia da feiticeira.

- Mas então como vamos derrotá-la?

- Com calma, com muita calma. A nossa vantagem é que ela não sabe da sua origem e até os Guerreiros da Luz mais experientes precisam de prática para atingir o seu potencial máximo. - O homem disse apertando uma espécie de colar em seu pescoço.

- Mestre, desculpe a indelicadeza mais uma vez, mas se o senhor me permite: por que não a eliminamos agora? Antes que ela adquira o seu poder?- A mulher falava em um tom exagerado de submissão. Como se ofender seu mestre fosse a coisa mais abominável do universo.

Ana queria muito sair dali, tentou caminhar de lado, encostada na parte, rezando para que não fosse descoberta pelos estranhos, mas não demorou muito para constatar que aquele lugar não tinha saída. Mal sabia dizer por onde aqueles dois entraram.

- Eu quero que essa seja a última vez que você me faz perguntas idiotas. Se ela morrer antes de acordar o poder do amuleto, o poder da Luz se vai com ela. Esse poder não pode ser forçado fora dela, ela precisa cooperar conosco. Por isso vamos agir com cautela e ganhar a sua confiança. Temos que descobrir onde o velho idiota do Augusto Baldini escondeu os pergaminhos sagrados.

- De qualquer maneira, o rei confia muito no senhor, Mestre.

- Isso sim. Porém, ele suspeita que algum Trakmeriano irá atacar novamente por causa da volta da fedelha ao reino, então vai estar bem atento. Lembre-se: aquele fraco do Tarso passou quinze anos esperando para reencontrar sua filhinha.

- Nós sabemos que eles não atacarão, não é mesmo, Mestre? Eles jamais lhe desacatariam, aliás, quem seria tolo de desacatar suas ordens?

- Realmente. Por mais que eu queira ver Tarso e a ingrata da bela Isabel chorando a perda definitiva da pirralha, um ataque agora não está nos meus planos. Temos que aprender tudo sobre a garota, do que ela é capaz, e se realmente é tudo o que a profecia diz. E assim que a arma for ativada, os Jamarsianos não terão outra escolha se não obedecer ao seu novo líder.

Ana gelou quando percebeu que o homem se aproximava do canto em que ela se escondia. Então ele disse:

- Espere, sinto uma presença estranha, acho que não estamos mais sós.

Ela começou a tremer e se encolheu. O tal Mestre estendeu sua mão em direção ao corpo de Ana e momentos antes de alcançá-la, Ana sentiu-se rodopiar no vazio e aos poucos a sala foi desaparecendo.

Achou que estava acordando, mas depois de alguns segundos ela caiu de costas em um gramado como se acabasse de saltar de uma janela. Tudo estava cinza por causa da fumaça e as únicas coisas que se ouviam eram os tiros de laser e os gritos. Muitos gritos. Ana, ainda assustada, começou a se beliscar para ter certeza de que aquilo continuava sendo somente um sonho, pois geralmente pessoas não flutuavam e reparou em várias pessoas flutuando e se atracando em uma espécie de combate.

Tinha escapado da sala, mas agora se via no meio de uma cidade caindo aos pedaços, invadida por naves espaciais, gente gesticulando esquisito, outras que pareciam meditar. E apesar de tudo, ninguém estava prestando atenção nela ou tentando atingi-la. Era como se ela fosse invisível ou estivesse assistindo a um filme 3D muito bem feito.

As árvores eram estranhas, algumas tinham folhas azuis, enquanto outras variavam do rosa ao amarelo. Nunca havia visto uma árvore daquele tipo, nem em filmes. Os prédios tinham arquiteturas futurísticas, eram pontiagudos como se fossem feitos de cristais, havia um outdoor caído no chão que dizia: "Reserve sua estadia no Hotel Tanomar e garanta vista exclusiva para o nosso Festival de Encontro das Luas".

"Encontro de quê?" Ela pensou. Mas sua atenção voltou-se para as pessoas correndo por todos os lados. A visão era horrenda, ela estava realmente apavorada. O que estava acontecendo? Por que estava ali? A última coisa que lembrava era de estar em sua cama admirando a noite linda. E de repente sentiu-se rodopiar no vazio, não lembrava sequer de ter adormecido, mas aquilo só podia ser um sonho. O seu coração estava quase saindo pela sua boca de tão forte que batia.

- Certo. Isso é só um sonho. Vou acordar logo. - Repetiu para si mesma.

Olhou para o céu e uma nave espacial enorme começou a pousar e todos à sua volta corriam e gritavam. Quando a nave finalmente pousou, de dentro dela saiu um lagarto verde caminhando como um homem e vestindo um colete preto à prova de balas, do mesmo estilo que os policiais usavam. Ele era muito assustador. Tinha uns dois metros de altura, olhos amarelos brilhantes e cerrados, cada mão com quatro largos dedos e unhas tão afiadas quanto os seus dentes.

- Onde ela está? - Gritou o lagarto. - Vocês não vão conseguir escondê-la por muito tempo, vou destruir tudo até encontrá-la.

O lagarto então correu e ao mesmo tempo sacou a espada que estava presa às suas costas e começou a lutar contra um dos homens de túnica. Era impressionante sua agilidade. Ninguém era páreo para ele, seu rosto, seus dentes, tudo em sua figura era aterrorizante.

Depois de dez homens caídos no chão, apareceu outro um pouco mais robusto do que o resto. Parecia cansado, como se já estivesse lutando há horas.

-Tarso, seu fraco! Vocês não vão conseguir mantê-la escondida por muito tempo. O que espera? Que ela controle o poder da Luz e de repente salve todos desse planetinha desprezível?- Tarso sacou sua espada e os dois começaram a lutar. O homem era ágil, seus movimentos eram precisos, mas de longe se via que ele não tinha mais forças para continuar enfrentando seu oponente. Assim, com um golpe final, o lagarto derrubou o homem no chão, apontando a espada para a garganta dele. Ele permaneceu ali deitado, coberto por ferimentos que pareciam gravíssimos.

Ana gritou e correu em sua direção sem sucesso algum, pois não podia ser ouvida. Não conhecia aquele homem que estava caído, mas algo em seu peito ardia como se fosse sua obrigação ajudar-lhe.

Então uma senhora de olhos azuis assustadoramente penetrantes pairou a sua frente e falou:

-Você já viu demais, menina.

Mais uma vez Ana começou a rodopiar no vazio e a última imagem que ficara em sua mente além da mulher era a do homem de barba caído no chão falando:

- Vou proteger a minha filha até o fim.

A Princesa de JamarOnde histórias criam vida. Descubra agora