A visão do meu corpo estirado na calçada era no mínimo desagradável. Não sei como cheguei a este ponto. O ponto final. Eu ainda preciso entender. Eram dez horas e trinta minutos da manhã. Se eu acordei às dez em ponto, eu vivi apenas trinta minutos deste dia. Começarei por rever detalhadamente este período que precede minha situação.
Os 30 minutos antes da minha morte não poderiam ser mais, digamos, estúpidos. Sim. Foram absolutamente comuns. Não havia algo que me fizesse concluir, com exatidão, que o meu momento chegara. Era um absurdo constatar que a partir do momento que eu acordava numa segunda feira, as minhas ações aconteciam de modo automático. Nem a isto eu me atentava. Eu nunca soube que estava dentro de uma rotina. Devia ser por isto que a minha segunda-feira sempre fora desestimulante. Eu não precisava pensar em nada. Eu simplesmente permitia que meus setenta e cinco quilos, distribuídos em um e setenta e nove de altura, seguissem o fluxo daquele caminho habitualmente trilhado. O meu corpo dançava pelos cômodos do meu apartamento procurando realizar todas as atividades, que provavelmente eu as faria ainda em sono quase profundo. Eu demorava no mínimo 30 minutos para acordar completamente, depois que eu me levantava. Normalmente isto acontecia quando eu botava os pés no lado de fora do meu prédio.
Se eu estivesse vivo, faria muito sentido saber que agora são dez e meia da manhã e eu ainda não estou em sala de aula. Onde eu realmente estou? Nada disto tem importância. O tempo não tem importância. Não mais! Hoje eu completaria trinta anos de idade. Mas, são os trinta minutos antes da minha morte que me interessam. Antes de seguir para algum lugar estranho, eu gostaria de investigar estes primeiros e últimos mil e oitocentos segundos de uma segunda-feira que deveriam ser iguais a todos os outros. Usando um pouco do que me resta da razão, é inevitável que eu tenha a curiosidade em saber o que aconteceu de desigual neste dia. Se durante anos eu repetia o mesmo ritual de uma segunda-feira, o que deu errado desta vez? Será que um simples detalhe de alguma ação minúscula permitiu que eu ficasse vivo todo esse tempo? É um absurdo pensar que minha vida inteira dependia de um mísero detalhe que eu nem sequer sonhava existir.
Chega de enrolação, afinal de contas, o tempo está passando para você. Eu não precisaria respeitar isto, mas, eu também não tenho certeza se estou completamente livre do tempo. Podemos estar em dimensões diferentes e ao mesmo tempo, conectados por este fio infinito que chamamos de – adivinha! – TEMPO. A qualquer momento posso ser levado para algum lugar incógnito. Mas, também não tenho certeza se será surpreendente. Talvez eu já tenha passado por lá. Talvez eu terei que voltar ao mundo novamente para continuar não lembrando de tudo isto no futuro. O tempo é uma das invenções geniais da morte. É com ele que a fiel companheira desenvolve tudo aquilo que quer matar.
Ainda, antes de seguir com os 30 minutos, compartilharei uma ideia que acabei de ter. Parece precipitado pensar de forma conclusiva sobre as diferentes formas de vida em diferentes dimensões. Mas, eu arriscaria dizer que os seres humanos reproduzem em círculos as ideias que tem sobre tudo. Sobre a vida, sobre o que chamam de ética e o que denominam como algo de valor. Os seres humanos são como brinquedos. Fantoches! Manipulados por algo que nunca aparecerá na superfície. Eles não se lembram de suas outras vidas. E justamente por não se lembrarem, não podem evoluir-se. Eles tendem a repetir aquilo que suas naturezas determinam. Este é o destino cruel de todas as formas de vida. A necessidade de amar, odiar, comer, trepar, reclamar... Tudo isto faz parte da configuração de um ser. A vida se resume em necessidades. Isto é tão pobre! O ser humano é pobre.
Quando o despertador do meu celular marcou dez horas, eu me recordo de ter executado os meus primeiros movimentos do dia. Eu rolava de um lado para o outro na cama, tentando acreditar que aquilo era um pesadelo e que a qualquer momento eu acordaria de verdade. Como eu odiava a segunda feira! Desliguei o despertador e tirei o lençol verde de cima de mim. Como eu morava sozinho, não via problema em dormir nu. De qualquer modo, deixarei bem claro que aquela era uma rara visão da minha pessoa. Eu não me sentia à vontade em acordar nu na frente dos outros. Nem a minha ex-namorada teve o privilégio de apreciar o meu corpo excitado pela manhã. Não que eu me sentisse envergonhado. Pelo contrário. Meu corpo parecia uma escultura. Era devidamente bronzeado, alto e magro. Eu tinha muito orgulho de tudo aquilo. Talvez agora eu tenha tempo para entender os motivos que me levavam a não mostrar o meu corpo pela manhã.
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Os 30 Minutos Antes da Minha Morte
Storie brevi"Eu não imaginava que os trinta minutos antes da minha morte fossem tão estúpidos."