O amor é uma subversão.

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Nunca mais procuramos um ao outro, você sabia que eu não tinha mais resistência para lidar com a sua mente bagunçada. Éramos incapazes de realizar o sonho um do outro, e desenvolvemos defesas particulares para tocar a vida diante.
Após um ano me julgando por tudo o que havia acontecido, eu tive um baque ao me deparar com você do outro lado da rua. Foi a única vez, e não tinha necessidade de haver outra. Vi você com a mulher que tomou o meu lugar e que passou a ser a mulher definitiva da sua vida. Você segue sendo um homem belo, e mesmo achando que já havia me recuperando da sua ausência na minha vida, foi um golpe te ver. Depois desse encontro violentamente trivial, me sentir liberada das amarrações que foram criadas pela minha imaginação.
Eu fugi de você, naquela época em que ainda éramos um casal, porque eu percebi que nossos beijos haviam virado respiração boca a boca, uma tentativa de sobrevivência quando já era tarde demais. Tudo que é improdutivo, acaba se tornando desgastante, e minha fonte de energia secou, eu não tinha mais por onde trilhar, um caminho ao seu lado havia obstáculos demais para alguém que, como eu, sempre preferiu tomar impulso e ir em frente, mantendo o ritmo. Nunca gostei de pausas, nunca gostei de intervalos em meio de peças de teatro, nunca gostei nem de parar em postos de estradas para usar o banheiro e tomar uma água, eu queria sempre seguir em frente. A constância pra mim era sinônimo de paz, uma paz sem perder o pique, sem perder velocidade, uma paz dinâmica diferente da paz dos cemitérios, da paz da solidão. Mas estando com você, eu queria que me acostumar com um amor sendo interrompido a 10 quilômetros rodados, e isso não era pra mim. Eu te amava e me sentia amada por você, mas ao mesmo tempo me sentia desacompanhada.
Tic, tac. Um dia serei uma velha com a pele bem seca com cara de malvada, mas por enquanto, ainda estou sendo sintonizada pela menina inocente dos retratos do colégio, que não acreditava que os sentimentos precisassem de tantas conexões para serem explicados. Casamento para mim era um ritual de aceitação, um gostar-se tornando público. Minha família adorava usar a expressão para justificar a pompa matrimonial na igreja e no salão de festas: "Casar é uma satisfação para a sociedade". Por mim, eu usaria esse termo pela metade, e diria apenas: "É uma satisfação."
Não consigo imaginar nada mais satisfatório do que amar, e mesmo não sabendo o que o amor significa, sei o que representa. É o que nos faz, no meio de uma multidão destacar alguém que se torna essencial para o nosso bem-estar, e o nosso para o dele. É receber uma atenção exclusiva e oferta-lá na mesma medida. Ter uma intimidade milagrosa com a alma de alguém, com o corpo de alguém, e abrir-se para essa pessoa de um jeito que não se conseguiria jamais ajudo para si mesmo, porque só o outro é a chave desse cofre. O amor é uma subversão, e deu vigor nunca será encontrado em amizades ou parentescos. Todas as palavras já foram usada para defini-lo: magia, surpresa, visceralidade, entrega, completude, riqueza, deslumbre, sorte, conforto, poesia, aposta, amasso, gozo.
Amar prescinde de entendimento. Por isso não sei amar, porque sou viciada em entender.
Passei a ocupar meus dias pensando sobre o que, afinal é isso, que todo mundo enche a boca para chamar de "amor", como se fosse algo simplificado: defina em meia dúzia de frases é fácil, querida.
É fácil? pois a querida aqui não entendo como uma palavrinha simples formada por apenas duas vogais e duas consoantes pode absorver um universo de sensações intraduzíveis. O que é amor? Já tentei explicar para mim mesma e, por mais que eu tente, jamais conseguirei atingir a essência dessa anarquia que dispensa palavras.

Eu irei te amar da mesma forma que Vincent Van Gogh amou a cor amarelo.Onde histórias criam vida. Descubra agora