V. Ainda com você

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você é uma frase bonita

dessas que a gente sublinha no livro

faz tatuagem, conta pra todo mundo

dessas que dividem a gente em antes e depois

Um Oreo McFlury foi colocado em cima da minha mesa e eu não lutei contra o sorriso de lado se formando em meus lábios ao dar-me conta de quem havia me presenteado.

Ele sentou na minha frente, livros do curso deixados de lado, braços cruzados sobre a mesa, rosto aberto em um sorriso que iluminava toda a sala.

Incendiava.

— O que está fazendo, hyung?

Sua voz.

Ah, a sua voz.

Escorrendo em brasa como um doce veneno ardendo e consumindo minha pele.

Tive que fechar os olhos para apenas me permitir sentir o poder que vinha em ondas perpassando sobre meu corpo.

— Escrevendo.

Uso a ponta do lápis para apontar ao meu caderno, carbono convertido em letras, em sílabas, em palavras, em orações, em períodos, em versos, estrofes e parágrafos inteiros de tudo que havia de mim. Em nada do que havia de mim.

chegou

um tempo

em que

a poesia

me mostrou

como

sangrar

sem

a necessidade

de sangue.

— Posso ler? — ele perguntou fazendo um biquinho com sua boca linda, ainda vermelha e inchada dos beijos que trocamos algumas horas atrás, quando ele me buscou em casa para virmos juntos até a faculdade.

Nossa confortável rotina.

Fechei o caderno, usando uma curta fita de cetim carmesim para marcar a página em que mais uma vez me derramei.

— Mais tarde.

Capturei meu sorvete e sorvi a primeira colher de baunilha e leite gelado, o líquido cremoso descendo em minha garganta levando um frescor necessário para dentro de mim. Mastiguei alguns pedaços do biscoito que Jeon roubava de vez em quando com a ponta de seus dedos.

— Como está seu TCC?

Agora no último ano, boa parte de seu nervosismo era advindo em concluir logo seu curso. Ele mordia os lábios, por vezes cutucava a parte interna da bochecha com a língua e fazia uma careta de desagrado quando as coisas não saíam conforme gostaria.

Eu, que já havia passado por aquela fase e agora frequentava esse ambiente como professor assistente e não mais como aluno, apenas sorria e fazia o que estava ao meu alcance para distraí-lo.

Sexo sendo uma de suas atividades recreativas favoritas. Jungkook aliviava-se em meu corpo, obtinha sua calmaria sugando minhas energias tal como um íncubo. Eu apenas deitava inerte, respirando de forma difícil, a camada de suor sobre minha pele, enquanto tentava orientar meu espírito a regressar após o bombardeio de orgasmos que ele me causava.

— Tá do mesmo jeito que tava uma semana atrás. Mas tudo bem. — ele deu de ombros, percorrendo a ponta do dedo na lateral interna do pote do McFlurry, pegando um pouco da calda de chocolate e logo em seguida o sugando, seus olhos negros fixos em mim enquanto realizava o ato.

Engoli em seco, uma risada áspera saindo de mim. Já estávamos juntos há anos e ainda não me acostumara integralmente à criatura em parte menino, em parte homem sentada na minha frente.

Inocente ele certamente não era, não quando eu sabia em primeira mão o jeito com o qual ele gostava de me foder. Palavras sujas em meu ouvido enquanto puxava meu cabelo, apertava meus quadris, distribuía tapas em minha pele elogiando seu trabalho ao ver a coloração que se formava em seguida, mordidas e chupões espalhados pelo meu corpo. Corpo que era dele para fazer o que bem quisesse.

— Esse negócio de converter quadros expressionistas em maquetes demanda tempo e paciência, então mesmo que eu me estresse não vou perder a cabeça me forçando demais. — deu de ombros enquanto soltava um suspiro resignado. — Meu orientador tá satisfeito com o que eu tenho mostrado até agora, ele disse que é uma feita pouco usual em alunos de graduação. E você, hyung, quando começará o mestrado?

— Me inscreverei no semestre que vem.

— Será Literatura Japonesa?

Assenti.

— Você e esse seu amor por haicais.

Poderia abrir a boca para dizer que haicais eram apenas uma das muitas variações do que era produzido no ramo da literatura na língua japonesa, mas optei por provocá-lo ao recitar um:

— Tenho pra mim, que mesmo criticando, aprecia em silêncio. — soltei.

Sua resposta foi um bufo pouco elegante, traços infantes sustentados em sua face de anjo sórdido.

— Pois você vá para o Japão na frente, arranje um apartamento bom o bastante para nós dois, eu estarei indo logo atrás, assim que conseguir pegar o bendito canudo de papel.

— Tem certeza que quer mesmo morar comigo em Osaka? É algo grande, Jungkook.

Todas as grandes coisas são difíceis e raras. — deu de ombros, pegando a colher de sorvete que eu larguei e terminando de tomar por mim.

— Você acabou de citar Spinoza?

Novamente o gesto de dar de ombros que me irritava em igual medida que inflamava meus ossos de excitação. O provocadorzinho sabia o que fazia. Principalmente quando citava os autores que eu apreciava.

— De qualquer forma, hyung, eu não espero que você deixará de me questionar sobre isso tão cedo, mas foi uma decisão tomada há meses atrás e eu ainda estou convicto do que quero. Agora se você prefere ficar sozinho lá...

Outro dar de ombros.

Foi o suficiente.

Um som muito parecido de um rosnado saiu da minha garganta.

— O que é isso? Tá ronronando de novo, tigrinho? Pensei que só fazia isso quando eu chu...

— Chega, Jungkook! Vamos embora, temos uma viagem a planejar.

Levanto da mesa com pressa, jogando meu caderno e lápis de qualquer jeito dentro da minha bolsa carteiro e saindo pelos jardins da faculdade, ouvindo sua gostosa gargalhada soar não muito atrás de mim.

Jeon Jungkook certamente tinha em mim o efeito semelhante ao dos haicais de Issa e Bachô.

Era devastador e assustadoramente belo.

Ele era para mim como uma poesia sobre pequenas coisas.

Eu era para ele como um garoto apaixonado



FIM.

Poesia sobre pequenas coisas | jjk + kthOnde histórias criam vida. Descubra agora