III. Decalcomania

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Este dia que brilha também arde; o preço da luz é o fogo.

Talvez eu fosse dramático.

Ou um tanto propenso a exageros.

Não o bastante para sofrer de desvio de caráter ou para ser considerado megalomaníaco.

Mas nenhum termo ameno era capaz de significar o que eu me tornava e sentia perto daquele homem.

Ele era calouro ainda no curso de Arquitetura e viera até mim para pedir dicas em um trabalho de cenografia.

Eu estava no meu último ano de História da Arte, correndo contra o tempo para também conseguir um grau em Design e Moda porque eu era um tolo teimoso que queria fazer tudo de uma só vez e concluir o mais rápido possível.

Isso significava passar toda a manhã e boa parte da tarde no campus e conhecer quase todos os estudantes daquele prédio.

Jeon Jungkook soubera sobre um trabalho que eu havia feito no meu primeiro ano e havia sido exposto.

Isso o levou até mim.

Um deboche do destino eu tê-lo visto pela primeira vez em uma galeria de arte, então uma exposição com uma obra minha tê-lo feito consciente a meu respeito.

O trabalho era uma maquete inspirada na minha análise de Terraço do Café na Praça do Fórum, de Van Gogh.

Uma mera placa de papel cartão sustentando pedaços recortados de poliestireno expandido coloridos com tinta nanquim e texturizados com algodão e esponja foi o que trouxera o estudante de Arquitetura até mim.

Ele queria criar um cenário baseado em outra obra de Van Gogh, Amendoeira em Flor.

É claro que o ajudei.

Impossível dizer não para seu sorriso aberto, covinhas formando-se em suas bochechas, rugas diminutas surgindo no canto de seus olhos sublimes e daquele único e hipnotizante sinal que havia logo abaixo do seu lábio inferior.

Eu estava em completo desalento.

A maldita marca me atormentou por noites a fio, minha mente convertendo-se em imagens muito vívidas de qual seria a sensação de resvalar minha língua sobre ela.

Ele era bonito de um jeito incandescente e a beleza era a menor de suas qualidades.

Ele era todo sorrisos, educado, carismático.

Sua voz era inescrupulosamente instigante.

E tornava-se um verdadeiro martírio quando ele começava a cantarolar alguma música porque eu duvidava que até mesmo Lúcifer fosse capaz de soar como aquilo.

Suas risadas eram finas, fracas, tom perdendo gravidade à medida que seu fôlego cessava, nariz franzindo, dentes frontais mais aparentes, um ar infantil e angelical que poderia enganar as criaturas desatentas.

Não a mim.

Eu já estava preso em sua teia, enveredado de tal maneira que tentar escapar só me prenderia mais, hipnotizado por qualquer ato ou omissão que ele executasse.

É um assassino

esse cogumelo, é verdade...

mas é lindo.

Jeon Jungkook, eu não demorei a perceber, era uma criatura dicotômica cuja natureza desatenta e distraída o convertia em duas metades proporcionalmente inversas uma da outra.

À medida que nos tornamos mais próximos, muito após eu tê-lo auxiliado com a atividade, eu fui permitindo que ele soubesse o quão afetado eu era.

Meu cinismo não me permitia dizer em voz alta.

Era demais para mim tentar pôr em palavras o que eu queria dele.

Ansiava.

Desejava.

Almejava.

Mas eu permitia que qualquer outra forma de deixá-lo ter ciência disso fosse usada.

Olhares que se demoravam tempo demais na sua boca.

Toques desnecessários em suas mãos.

Sempre sentava mais próximo do que devia.

Funcionou.

O garoto gentil e fofo em público perdeu espaço para o homem atrevido e ousado em particular.

Jeon Jungkook, muito mais que alguém dicotômico, era uma decalcomania cujas bordas irregulares alcançavam a perfeição pela sua falta de padrão ou ordem. Precisão.

— Quer que eu te beije, hyung?

Eu não estava mais secretamente apaixonado.

Ele me perguntou por ser essa criatura provocadora e impiedosa quanto ao efeito que sabia exercer sobre mim. Não por ter dúvidas ou receios.

Eu não o respondi.

Meus olhos disseram tudo.

Tateando o inferno

para sentir

os dedos

queimarem

Poesia sobre pequenas coisas | jjk + kthOnde histórias criam vida. Descubra agora