Capítulo 2

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Eu... lembro-me.

Lembro-me de quando ela apareceu.

Que, sentada ali, em silêncio, ela escrevia cartas.

Eu... lembro-me.

Da silhueta daquela pessoa e do sorriso gentil da minha mãe.

Aquela visão... com certeza...

Eu não esqueceria nem na morte.


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A menina e a Boneca Automática de Automemórias

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A escrita-fantasma era uma profissão que existia desde os tempos antigos. Já havia chegado a um ponto de decadência devido à popularização das bonecas de auto-memórias mas profissões com longa história eram amadas e protegidas por um número considerável de pessoas. O aumento do número de bonecas copiadoras foi, precisamente, o que levou os entusiastas nostálgicos a afirmarem que as profissões antiquadas eram melhores a manter o seu charme.

A mãe de Ann Magnolia costumava ser uma dessas pessoas com um fascinante gosto antiquado.

Com o seu cabelo escuro, naturalmente ondulado, sardas e corpo esguio, a mãe de Ann era quase exatamente igual à filha, em termos de aparência, e era alguém que vinha de uma família rica. Criada como uma mulher de elite, ela tinha-se casado e, mesmo depois de envelhecer, algo nela ainda lhe dáva a aparência de uma pessoa jovem. O sorriso gentil que ela tinha e o riso agudo eram infantis para quem quer que os visse.

Olhando para trás, para como a sua mãe costumava ser, Ann achava que ela era como uma menina. Vigorosa, apesar de ser uma pessoa desastrada, sempre que ela afirmava entusiasticamente "Eu quero experimentar isto!", Ann retorquia com, "Meu deus, outra vez?". Ela gostava de viagens de barco e corridas de cães, tal como arranjos de flores orientais encontrados em bordados de colchas. Costumava amar aprender e tinha muitos passatempos e sempre que ia ao teatro era para ver peças românticas. Por gostar muito de rendas e fitas, os seus vestidos e roupas de apenas uma peça eram parecidos com os das princesas de contos de fadas. Ela costumava fazer a sua filha usá-los, já que gostava de roupas combinadas entre pais e filhos. Ann, às vezes, perguntava-se o que havia de errado com a sua mãe por utilizar fitas na sua idade mas nunca fazia a pergunta em voz alta.

Ann valorizava a sua mãe mais do que qualquer outra pessoa no mundo - ainda mais do que a sua própria existência. Embora não passasse de uma criança, ela costumava considerar ser a única pessoa capaz de a proteger, já que esta não era forte de maneira alguma.

Ela amava-a cegamente.

Por volta da altura em que a mãe adoeceu e perto da altura da sua morte, Ann conheceu uma Boneca de Auto-Memórias. Apesar de ter incontáveis memórias com a mãe, aquelas de que Ann se lembrava eram sempre dos dias durante os quais elas tinham recebido uma misteriosa visitante.


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A "coisa" apareceu num dia ensolarado de primavera.

A estrada banhada por abundantes raios de sol de uma bela primavera. Ao seu lado, as flores começavam a desabrochar, por conta do degelo, e balanceavam com o vento fraco, as suas pontas tremiam.

Do jardim de sua casa, Ann observava a forma como andava.

A mãe de Ann vivia do lado esquerdo superior de um antigo, mas elegante, edifício de arquitetura ocidental, que herdou da sua família. Com as paredes brancas e telhas azuis, cercado por enormes bétulas, o lugar era como uma ilustração de um livro infantil.

𝒱𝒾𝑜𝓁𝑒𝓉 𝐸𝓋𝑒𝓇𝑔𝒶𝓇𝒹𝑒𝓃Onde histórias criam vida. Descubra agora