∙ Como vim ao mundo

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Da janela do carro vejo, quase como uma lembrança, pequenas gotas gélidas de chuva. Elas caíam uma por uma, e seu impacto no chão formava uma bela melodia, da qual me viciei. Isto me fez lembrar das histórias contadas sobre o dia em que vim ao mundo.

Caso você se interesse, irei contar tal acontecimento irrelevante:

Nasci quase como poesia, em uma madrugada quente, mas ainda sim chuvosa, em meio do caos da ambiguidade de outono. Era quase meia noite, minha mãe gritava enquanto eu vinha ao mundo em uma sexta-feira de outubro.
A chuva caía, eu chorava e um novo pacto com o destino foi selado. Naquela noite minha vida estava sendo planejada em meio ao desastre. Se nesse dia eu soubesse o que iria acontecer, desejaria nunca ter aberto os olhos.

Entre as folhas secas e sem vida que caíam das mais diversas árvores, haviam juras que o vento sussurrou especialmente para mim. Ele parecia mais forte aquele dia, especialmente no meu dia.
Até hoje sinto que ele vai me levar e não temo isso. Quero ter a chance de voar junto ao ar e viajar entre os céus, me sentir livre como um pássaro e reviver a noite em que nos conhecemos. Ele me deu as boas vindas com sua doce canção, nasci de uma ventania e me sinto honrada por ter recebido essa bênção.

Talvez seja por isso que assim como o vento, cresci sendo um ser de mais de mil faces. Posso ser a brisa quente de uma tarde alegre, um raivoso furacão em meio a uma guerra, o vento frio de inverno que faz jovens apaixonados se abraçarem, ou o confortante e triste ar que envolve pessoas enquanto elas choram pela madrugada. Sou um último e um primeiro suspiro em eterna fluidez, indo em todos os cantos do mundo procurando alguém que ainda me ame mesmo com todos os meus estados.

"Quanto a mim,
serei poesia
até o fim." - tudo nela brilha e queima

Atualmente sentada á beira de um penhasco, aprecio a dança dos meus próprios furacões mentais categoria 5. Tal apresentação extraordinária se espalha pelo mundo todo, mas quase ninguém presta atenção o suficiente para percebê-la. Talvez seja por este motivo que sou filha do ar, ele simplismente sabia que eu notaria sua presença em qualquer lugar.

O ar que você respira já passou pelos meus pulmões, já viu começos e términos, e estava aqui antes mesmo da humanidade. Ele tem nos observado pacientemente, calado, apenas analisando como não notamos coisas essenciais como estas, a brisa tira dores de corações martirizados e transfere para outros, isso não é maldade, é apenas o jeito que as coisas funcionam.

Por curtos períodos na minha vida aquilo me bastava. Apenas eu, o ar e a inspiração que ele me trás, isso era o suficiente. Eu ainda não havia conhecido a poesia, minha cabeça estava vazia e a maldade sequer existia nesse mundo que algum depois descobri que vai contra tudo que acredito.
Então veja só, caro desconhecido, como eu sou a perfeita prova viva de que ninguém nasce ruim, e que tudo é consequência dos traumas e do que se foi vivido.

Mesmo assim, essa história é sobre a minha vida. Não é sobre como meus pais me criaram, sobre a minha família, meus amigos... É sobre mim.
Eu tenho orgulho da minha história, não das pessoas que fizeram parte dela ou das tragédias que me aconteceram. Tenho orgulho das ventanias que suportei até aqui, e espero que eu aguente as próximas.

De qualquer modo, obrigada por acompanhar minha jornada até aqui, nos encontraremos no céu noturno, caro leitor.

Entre dores, amores e ventaniasOnde histórias criam vida. Descubra agora