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Os céus estavam desabando.

Conclui isso após os dez minutos parada em frente a padaria, com o guarda-chuva em mãos. Eu só queria ter um dia produtivo, e por que não começá-lo da melhor maneira comprando meu mochi?

Respirei fundo, tentando aceitar minha atual situação. É, estava sendo uma semana difícil. E ainda era segunda feira. Me encolhi mais ainda quando outra rajada de vento veio, fazendo mais pingos de água virem contra mim.

  Estava frio, muito frio, e o casaco do meu uniforme escolar era muito fino para fazer o mínimo pelo meu corpo e me aquecer. Olhei para criatura feia ao meu lado, que esteve inerte, grudada a porta, desde o momento em que eu cheguei. Ela me olhou de volta, chiando, e eu fechei a cara.

  Na maioria das vezes elas me ignoravam, ou apenas me encaravam como um espantalho assombrado. Mas da mesma maneira suas presença me causavam repugnância, seja por suas aparências ou por aqueles sons horríveis que saiam de suas bocas. Eu havia aprendido a ignorá-las com o passar dos anos, mas não era assim no começo, eu chorava e gritava e esperneava. Minha mãe brigava comigo, muito, ela não via o mesmo que eu e achava que eu estava ficando maluca, chorando e apontando para o nada.

  Quando completei nove anos ela me levou ao médico e então eu percebi que era a única a vê-las, e desde então aprendi a não me importar com elas, com medo do que meus pais poderiam fazer comigo se eu continuasse com meus surtos. Eu não entendia o que elas eram ou porque eu era a única que podia enxergá-las, mas simplesmente havia parado de me importar.

— Dia ruim, não é? — falei como uma idiota, a criatura apenas chiou novamente e continuou a me encarar, revirei os olhos, queria que ela sumisse.

  Me inclinei para frente, tentando procurar alguma chance de voltar para casa. O vento se chocou contra mim mais uma vez e toda minha roupa se moveu com esse atrito, me fazendo imprensar meu corpo contra a parede em um ímpeto. A rua estava deserta, nenhum maldito ser vivo passava pelos subúrbios de Tokyo.

  Me pergunto se todos já sabiam que o mundo estava prestes a se tornar um único oceano e eu era a única burra que não. Eu odiava a minha vida. Em cada sentindo possível. E eu não estou sendo uma adolescente melodramática e depressiva quando digo que o universo me odeia.

— Oh querida, você vai pegar um gripe com frio, entre aqui para dentro. — a porta da padaria foi aberta e a voz da senhora que me atendeu chegou à meus ouvindo, me fazendo inclinar a cabeça para o lado no intuito de vê-la melhor.

— Ah não, não precisa. Eu estou bem aqui, a chuva daqui a pouco vai cessar. — dei a ela um sorriso forçado, eu não queria ter que encarar mais uma aquela outra criatura centenas vezes mais feia que a que estava ao meu lado em seus ombros.

— Pelo ao menos ligue para os seus pais virem te buscar, então. Essa chuva não vai passar tão cedo, e vejo que você tem aula. — ela apontou para o meu uniforme meio molhado.

— Claro, eu já vou ligar. Só estou esperando o sinal voltar, acho que a chuva desestabilizou algo. — puxei o meu telefone do bolso do meu casaco e o balancei em minha frente, a senhora apenas sorriu e resmungou algo que me pareceu um "ah, certo" e fechou a porta.

  Eu não tinha o contato dos meus pais. Eles nunca fizeram questão de me dizer qual era, então eu nunca fiz questão de saber também. Um suspiro derrotado saiu por meus lábios enquanto eu desbloqueada a tela do celular, indo na lista de contatos. Os poucos contatos que eu tinha apareceram ali, e todos eles ou eram de delivers de comida ou algumas pessoas do outro lado do mundo que eu jogava. E nada mais que isso. Sem amigos. Sem família. Sem namorados. Uma risada de autodepreciação escapou. Guardei o celular novamente em meu bolso e cruzei meus braços, esperando a chuva passar.

  Quando mais alguns minutos passaram, a chuva que parecia estar demorando uma eternidade finalmente começou a diminuir, assim como os ventos fortes. Dei uma olhada no meu relógio e desisti de tentar ir para escola após ver a horário. Eu estava mais de uma hora atrasada, e isso me renderia um bom castigo se eu insistisse em ir.

Apertei o guarda-chuva fortemente em minhas mãos e o abri, checando se a ventania tinha diminuído o suficiente para que ele não voasse. E então comecei o meu caminho de volta para casa.

Meus pais já deveriam estar no trabalho uma hora dessas, e não chegariam até um pouco depois das seis horas. Minhas aulas terminam um pouco antes das quatro da tarde, o que significa que mesmo eu indo para escola, ainda chegava em casa antes deles. Nunca perceberiam o que eu fiz.

  Um chiado se formou atrás de mim, me fazendo parar bruscamente e interrompendo meus pensamentos.

Ah não, não, não, não.

Girei meu corpo na direção do som, apertando meu guarda-chuva com mais força que o necessário. E lá estava ela, a criatura horrorosa da padaria estava parada, me encarando. Esse trem feio estava me segundo desde eu saí?

— Você não tem nada melhor pra fazer não, oh bicho papão? — grunhi irritada, a única coisa que faltava para fazer meu dia piorar ainda mais era ter um negócio horrível como aquele me seguindo.

  Ela apenas me encarou e eu respirei fundo. Me virei novamente, seguindo meu caminho e tentando ignorá-la.

Enfiei minha mão no bolso no meu casaco, buscando a chave, quando cheguei na esquina de casa. Fechei meu guarda-chuva para conseguir abrir a porta sem impedimentos, porém interrompi meus movimentos quando meu olhar se ergueu.

Franzi o cenho para aquela cena esquisita. Dois caras estavam parados em frente a minha porta. Dois caras bonitos.

Ai meu Deus.

  Observei ambos. O mais alto não parecia ter mais do que trinta anos, trajava roupas sociais e um óculos sem armação. O mais baixo parecia ter a minha idade, usava algum tipo de uniforme escolar que eu não reconhecia, tinha cabelos rosados e um sorriso confortável no rosto.

— Com licença, posso ajudar em algo? — perguntei a ambos, quando me aproximei de casa, deixando a dúvida tomar conta da minha expressão.

— Você deve ser Itsuki Nori, estou certo? — o mais velho se pronunciou, analisando bem a minha silhueta, e eu apenas semicerrei os olhos em sua direção. — Eu sou Nanami Kento, e esse... — seu polegar apontou para o garoto de cabelo rosa, que acenou para mim. — é Itadori Yuuji. Estamos aqui para falar com você.

olá olá, o que acharam?
— abril, 2021.

your eyes ༉ gojo satoru. Onde histórias criam vida. Descubra agora