2. Origem

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Primeiro Ano

Poucas pessoas podem ter a honra, ou desprestígio, de serem reconhecidas na rua. Por pura sorte ainda não estou entre elas, pois seria muito constrangedor se todos me reconhecessem como a garota que voltou dos mortos.

A minha decisão foi viajar para Tão Distante, a terra onde os integrantes menos notáveis dos contos de fadas vão parar. Essa ideia surgiu quando Pilipiplin me entregou aquela "herança", foi como se uma bússola instintiva apontasse o lugar para onde eu deveria ir e soou mais adequado visitar o meu ponto de partida, o começo da minha jornada seria quase o mesmo.

O portal me deixou exatamente na ponte que separa a cidade do bosque encantado e desapareceu assim que dei o primeiro passo para longe. Nessa distância em que fui deixada dava para enxergar uma boa parte das passagens cercadas por propriedades e comércios, não era muito semelhante às minha lembranças, apesar de saber que algumas mudanças aconteceram. Dois elfos, com roupas e acessórios remetendo a riqueza, que passavam numa espécie de tapete voador estacionaram no ar ao verem a cena.

- A senhorita está perdida? - questionou o musculoso e que carregava correntes de ouro no pescoço.

- Desde que inventaram esses portais as pessoas estão brotando onde não deveriam. - o outro mais magro completa, para diminuir a tensão.

Não pude evitar a risada, já que provavelmente fui a culpada por normalizar o uso de portais durante um dos contos de fadas.

- Não, não estou perdida. Apenas acho que vou precisar caminhar bastante até chegar no ponto certo. - digo, calculando mentalmente quais as chances de acabar perdida naquele labirinto de pedra.

- Podemos te dar uma carona, estamos indo para o centro se for o seu rumo.

- Sim, é... Não estou querendo incomodar.

- Imagina, pode subir.

O musculoso me estende o braço para que eu possa subir no tapete que ainda sobra espaço. Agradeço assim que estou sentada ao seu lado, tentando manter o equilíbrio naquele tecido grosso que não teria tanta sustentação caso estivesse sem encantamentos.

- Aliás, pode me chamar de Said e esse é o meu sócio, Hakim. - o homem das correntes de ouro se apresenta e o amigo, que está dirigindo o tapete, acena para mim sem virar o rosto.

- É um prazer conhecê-los, sou a Venus, e muito obrigada de novo pela carona.

- Belo nome. - Said elogia, esbanjando um belo sorriso.

Não posso negar que os dois homens são bastante atraentes, a típica beleza arrebatadora dos elfos e algo a mais presente na postura nobre faz com que eu me sinta constrangida. A pele, assim como seus olhos, é escura em contraste com as cores vivas das vestes que refletem o sol e as orelhas pontudas revelam sua raça. Noto que atrás de nós um grande baú está trancado com cadeado e posso imaginar quais riquezas esconde.

- Você conhece essas terras, Venus? - Hakim pergunta, arrancando os meus devaneios - Estamos de viajem, mas pretendemos montar um negócio em Tão Distante antes de partimos.

- Faz muito tempo que não venho aqui. Antes qualquer loja que abrisse era sinônimo de sucesso, então espero que continue assim.

- Idem, viemos de Baviera e lá não fomos bem recebidos. Mesmo depois da guerra, quando a barreira no bosque encantado foi desfeita, eles seguem não nos levando a sério.

Fico surpresa por esse relato, pelo visto o tratado de paz feito após a guerra não adiantou muito, as criaturas mágicas e os humanos permanecem em atrito. Esperava que tornar Elizabeth rainha de Baviera resolve-se os problemas, que o amor dela por Marjorie acabasse com qualquer retrocesso que existisse entre seu povo, no entanto eu estava enganada.

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