1. Final

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Os contos de fadas não podem começar felizes, ou o final será o pior possível.

Por esse motivo ser narradora é uma das funções mais complicadas. Testemunhar os nossos colegas com quem convivemos durante uma temporada inteira na Escola dos Felizes Para Sempre sofrendo até obterem um pouquinho de êxito, ou nem isso, pois ao contrário do que aprendemos, os vilões não têm nenhuma sorte épica.

Relembro cada instante naquele lugar encantador que recebeu, nessa nova geração, jovens entre catorze e dezessete anos de todos os reinos para vivenciarem aventuras e descobrirem quais papéis interpretariam. Alguns nutriam presságios ruins sobre o acontecimento, posso confirmar que haviam motivações reais para esse medo. Não foram poucos os estudantes que acabaram transfigurados em animais, plantas, ou até enterrados a sete palmos da terra por não serem bons o suficiente.

Nunca arriscamos prever o jogo de azar entre os protagonista, secundários e terciários, pois depois do primeiro contos de fadas entendemos que era uma missão impossível. Os acontecimentos se desenrolavam como um carretel de linha que escapa das mãos e rola para longe, fora de qualquer controle.

Pelo menos, consegui cumprir a minha promessa do último aniversário que festejamos, todos os meus amigos tiveram os seus desejados "felizes para sempre". Desde aquele fatídico Baile de Anunciação não tive mais como comemorar as estações que passavam, o tempo voou conforme o vento, assim que completei os dezessete anos de idade e as histórias começaram a ser desenvolvidas.

Não envelhecemos mais, o que por uma parte é uma dádiva, também parece um pesadelo infinito. Considerando as diversas semanas em que enlouquecemos sem saber o quanto essa prisão ainda se prolongará até tudo terminar.

Moramos na imensa cúpula do Museu dos Contos de Fadas, um santuário para criaturas mágicas que por diversos motivos não estavam adequadas ao mundo, junto com os guardiões. Apesar de cada canto que descobrimos ser fascinante, com trilhas para explorarmos e diferentes cenários para os nossos treinamentos, permanece sendo um cativeiro.

Cada vez que vejo a minha imagem no espelho lembro da primeira aula onde prevemos os nossos futuros e sinto-me estúpida por ter ignorado a intuição de que tudo já estava decidido. Entretanto, não tenho arrependimentos sobre as minhas escolhas, apenas gratidão pela oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas.

Diferente do Ícaro, que também foi condecorado como narrador, e é atormentado pelo remorso dia após dia por não ter a capacidade de mudar o passado, assim jamais aceitaria o convite idiota e nem pisaria nesse território mágico. Os poderes que ele havia roubado de um demônio no seu primeiro ritual, logo que entrou na E.F.P.S., foram completamente tomados e agora não sabe nem como controlar uma faísca de fogo.

Pela inumerável vez, o rapaz predestinado ao lado do mal está ajoelhado rezando para que o Livro Sagrado aceite o definitivo final da última lenda.

Nós finalmente seremos liberados.

Mas, não é só por essa razão que Ícaro implora. Tenho certeza que seria uma tortura para ele precisar contar novamente sobre a vitória de Ethan Wolf, o alfa da matilha de lobisomens que salvou o bosque encantado dos caçadores de criaturas mágicas.

O anti-herói terá seu merecido reconhecimento daí em diante, entretanto fico triste ao não identificar o meu sorriso preferido em seu rosto, aquele travesso com os caninos a mostra. Não foram poucas as chances em que aproveitei para observá-lo, pelo Lago das Visões que me possibilitava essa dádiva. Ethan perdeu a expressividade, apesar de a inteligência e habilidades instintivas terem o encaminhado para um dos mais altos postos.

- Venus! - chama Pilipiplin, a guardiã da bondade, uma fadinha rosa que solta brilho das minúsculas asas transparentes - Venha, essa é a melhor parte.

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