[depois;]

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Para Ingrid, que mora dentro dos meus melhores pensamentos

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Para Ingrid, que mora dentro dos meus melhores pensamentos.

"Respire" essa única palavra, lotada de agonia latente, escapou em um sopro quente, tropeçando pela borda do lábio inferior trêmulo e se perdendo junto da poeira fina dispersa no ar.

As lágrimas que ainda não tinham escorrido, escondidas pelo estreito fio de coragem, esquentavam os olhos de Jeongguk, enquanto ele custava em dizer para si mesmo que precisava apenas...

Respirar.

O peito subiu e desceu, salgando as feridas expostas; sua têmpora queimou com a sensação de lembrança, ardendo embaixo de um bandaid frouxo, meio ensanguentado, mas forte o bastante para se manter colado contra sua pele, e realçou tudo de ruim que Jeongguk procurou esconder antes de vestir suas roupas surradas e seguir, para onde estava naquele momento, preso na sombra de um capuz cinza amanteigado, contorcendo os dedos dos pés, lutando para não gritar.

E correr.

Seu nervosismo era nítido, principalmente quando resolvia cintilar em seus olhos grandes de cervo; escuros e doces demais para um menino que acabara de entregar a vida a um contrato mafioso.

Fariam doer? Seriam cruéis?

Queimariam seus ossos?

Deixariam com que sua família fizesse um enterro? Rezariam por sua alma?

Jeongguk não sabia responder nenhuma dessas perguntas e, por mais que tentasse se distrair com o sol fraco circulando o ambiente, o eco de seu corpo, que só fazia sentido em sua própria cabeça, o tirava de órbita como isopor sob calor. Não obstante, Jeongguk se esforçou, passou lentamente a língua pelos lábios e torceu para que os batimentos estourados que eclodiam entre as costelas, chegando a atingir o estômago, fossem parte do nervosismo que toda aquela situação proporcionava. No entanto, a verdade, por mais reclusa que Jeongguk quisesse que ela permanecesse, subia à superfície, boiando circulada de sangue frio no azul do mar.

Jeongguk estava com medo de morrer.

Estava com medo de estar doente.

Estava com medo de não poder controlar os dias que se sucederiam diante dele.

As palmas de suas mãos suavam mais a cada segundo que se passava, presas pelos bolsos do moletom barato do time de futebol favorito de sua irmã mais nova. Jeongguk gostava do cheiro que saía dele, mas odiava a sensação de náusea que subia lentamente por sua garganta, o lembrando que talvez nunca mais pudesse voltar para casa outra vez.

O chão coberto por uma lona de plástico era do tipo barulhento, que marcava os passos de qualquer um que entrasse e passasse por ali. Inclusive, esperadamente, indicou a chegada de Jeongguk até lá. Fazia menos de cinco minutos, sim, contudo, o brilho obscuro nos olhos daqueles homens, somado ao sorriso doente que seus dentes tortos e amarelados de cigarro contornavam, jamais seria esquecido, nem mesmo depois de anos, se Jeongguk sobrevivesse; as sombras, demarcadas por um vermelho tinto, subiriam suas pernas, enquanto estivesse prestes a pegar no sono, apenas para lembrá-lo de que certos traumas marcam a pele e nunca verdadeiramente se vão. Nem com outras experiências positivas e momentos felizes, porque a tristeza era exatamente assim, como concreto, uma vez seco, nada mais seria capaz de desfazê-lo.

No canto, estagnado na posição de uma estátua, Jeongguk enxergou um homem de terno preto e brasão dourado. A corsa bordada na lapela do smoking parecia se mexer, saltando entre os botões igualmente muito escuros; ainda que fosse fruto de sua imaginação perturbada, Jeongguk gostou de pensar que ao menos ela poderia conhecer o dia de amanhã, longe dos faróis de um carro na estrada, presa e desfigurada pelos pneus recém trocados.

Seu sangue não cheiraria a plástico novo.

Já o de Jeongguk, por outro lado, teria sorte se não se manchasse de sujeira e terra.

"Sr. Kim." O tom brando e robótico abriu espaço em alto e bom som, chamando a atenção de pelo menos meia dúzia de olhos curiosos. Jeongguk se recusou a fazer o mesmo, mantendo a faixa de visão a bons palmos de distância dos próprios pés, contando os gomos dos cadarços azuis, um a um, depois recontando, esperando seus órgãos deixassem de tremer.

A sensação de cólera não o abandonou, pelo contrário, se fixou no fim da barriga, logo abaixo do umbigo, gelando a região e revirando o que havia dentro.

A adrenalina, por sua vez, fazia milagres, o mantendo em pé, preso ao chão. As mãos suadas prosseguiam fincadas nos bolsos, amassando a cópia dobrada do contrato.

O papel branco, carimbado com letras quadradas e intensamente vermelhas, era comumente designado à família Kim. Todos sabiam disso. Jeongguk engoliu uma bola de ferro quase cinco vezes maior que sua garganta, assistindo o envelope marrom pardo preso na caixa de correio, levando a ferro quente a marca da família mais extravagante do país.

Naquele momento, o sonho entorpecente se tornou realidade.

Naquele momento, Jeongguk soube que não seria perdoado se voltasse atrás, que dali em diante, sua liberdade não lhe pertencia mais.

Seus ouvidos arderam, captando o som agudo de chiado, somente sendo interrompido por um estalo desesperador de familiaridade. A atenção virou desespero e magnetismo, forçando-o a prestar atenção na sombra luxuriosa que atravessava a atmosfera avassaladora.

"Sinto muito, Gyu, meu pai não pode comparecer hoje" Uma voz que Jeongguk conhecia bem cresceu clara e nítida na entrada da sala, cercada por outros inúmeros homens altos, de ombros largos e pele extremamente branca. As tatuagens cobriam todo o espaço da cabeça, passando grossas pelos ralos fios de cabelo. Posturas imponentes e amedrontadoras, "por essa razão, eu vim em seu lugar."

O rosto de Kim Taehyung apareceu por detrás deles, ainda bastante fora do campo de alcance de qualquer arma, sereno e mórbido, como Jeongguk nunca havia visto antes.

Seu perfil esculpido e relaxado fora tantas e tantas vezes tocado pelos dedos curiosos de Jeongguk, perdidos na cama de lençóis macios cheirando a lavanda e frutas cítricas. A boca esperta, formada por traços absurdamente bonitos para serem apreciados uma única vez, beijou carícias por todo seu rosto, murmurando o quanto o amava.

Aquele era Kim Taehyung, seu namorado, aparecendo feito um anjo, mas sob denominação de filho do homem mais rico e perigoso de Jinan.

"Vamos, respire."

Foi desse jeito que finalmente seus olhos se cruzaram.

O brilho tranquilo nas feições de Taehyung desapareceu completamente, iniciando um choque violento que percorreu ambos os corpos.

Nada saiu.

Senão a surpresa em forma de tiro.


Até a próxima <3

Lua Nua | vkook.Onde histórias criam vida. Descubra agora