Capítulo 2: Correntes

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Ao chegar à casa de Rose, vendo Poncho tomando o rumo contrário, de volta à mercearia de Madalena, Anahí começou finalmente a relaxar seu corpo, que estava completamente tensionado pela situação que vivera minutos antes com as motocicletas e a proximidade magnética com o estranho que acabara de conhecer.

Sua cabeça ficou alguns segundos presa, tentando definir o que sentia. Não conseguia encontrar uma correspondência anterior ao sentimento que agora apoderava seu coração.

 Porque nunca havia sentido antes. 

Talvez fosse apenas a adrenalina ou a sensação de estar em um lugar desconhecido que a fazia suar sem saber o motivo, mas desde que o primeiro contato visual com um par de olhos esverdeados se fez presente, sua boca secou e seu coração funcionava de maneira descompensada.


A forma como ele a acalmou com um simples aceno na viela em que tiros poderiam acertá-la a qualquer momento a fez desejar, mesmo que sem racionalidade, que aquilo durasse por mais tempo.

Rose dizia a quão preocupada esteve pela demora. Anahí brevemente explicou que se perdera e relatou o episódio com as motos.

- Sabia que você não deveria ter vindo. - suspirou Rose, que começava a fazer um café para servir à Anahí - A região por aqui é muito perigosa. Já passei por essas emboscadas incontáveis vezes.

- Tudo bem. Não aconteceu nada comigo - Anahí queria tranquilizar Rose. - Mas, sinceramente, achei que as coisas por aqui estivessem melhores. Sob controle.

- Ah - Rose soltou um breve riso sarcástico, cheio de ar. - Não me lembro da última vez que este lugar esteve sob controle nos últimos dois anos, para dizer a verdade. Muita coisa mudou nos nesses tempos.

- O governo não vem até vocês? - perguntou Anahí, inocente, tirando um olhar congelador de Rose. - Creio que o dever deles não se restrinja somente ao gabinete. Nem serviço social? - enquanto fazia o caminho à casa de Rose, ela observara o lugar onde a amiga morava. Como se uma bolha da realidade a qual se mantinha apegada nos últimos dois anos fosse estourada, Anahí pôde ver com seus próprios olhos o descaso com a periferia de Tijuana. Mulheres ofereciam seus corpos em bares por ali espalhados, em outra rua, crianças pediam comida para quem por ali passasse em carros. Idosos mantinham-se trabalhando sob tendas, vendendo frutas ou verduras, tendas essas que não lhes poupava do sol à pino que pairava sobre a região.

- Sei que se mantém alheia quanto a assuntos do governo, por isso não sei se devo ou não dizer o que realmente acontece. - revidou Rose - Porém diria que é muito raro que algo de bom seja feito aqui para que nos auxilie no mínimo possível, pelo menos pelo governo mexicano. - Anahí tinha um sorriso amarelo em seu rosto, envergonhou-se, de pronto, por estar tão alheia à situação.

Desde que se encontrava no relacionamento com Jorge Vivaz, ela se mantinha desinformada do que acontecia em sua própria região. As ordens dele eram sempre se referindo ao fato de que Anahí estava redondamente proibida de se envolver em assuntos de seu trabalho. Ela acatava sempre e torcia para que, pelo menos, ele cumprisse com suas promessas ao povo e a ela mesma.

- Mas então, como conseguiu encontrar por fim meu endereço? - Rose quis quebrar a tensão que se formou naquele momento.

- Bom, entrei em um mercado, acho que o nome da senhora era Madalena. - Madalena era conhecida por toda aquela redondeza. Tratou de atender Anahí muito bem, assim como fazia com todos que por ali passava. - Ela pediu para que o filho dela me trouxesse até aqui.

- Qual filho? Alexandre? - Rose perguntou, com o cenho franzido.

- Creio que seja um filho de consideração. É um homem alto, moreno, de olhos verdes...

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