Capítulo 1.

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You are just a child...

(você é apenas uma criança)

Passado

A cozinha moderna da casa amarelo ovo na pequena rua do bairro Fourth Ward, no estado da Carolina do Norte, estava com um cheiro fortíssimo de bolo de chocolate. Esse cheiro, entretanto, não era novidade pois, todo sábado, aquele lugar cheirava à bolo de chocolate, bolo de baunilha, cupcakes de framboesa ou qualquer outro cheiro gostoso que saia do forno cinza. As crianças da rua adoravam dar uma passadinha ali, "sem querer". Era engraçado que a bola delas só caia no quintal espaçoso dos Santana Morelli aos sábados. Eles só sentiam sede e pediam água, aos sábados, tudo acontecia aos sábados. Era claro que Anália Santana Morelli, a moça de origem brasileira e com dois filhos, sabia o motivo das crianças sempre baterem em sua porta neste dia específico. Ela já deveria ter dito à eles há muito tempo que não se importava em dividir as guloseimas que ela fazia, era até gratificante para ela saber que seus doces eram requisitados, porém era muito engraçado ver as desculpas esfarrapadas que os pequenos davam por baterem em sua porta toda vez. Perguntar se podiam pegar a bola era a desculpa mais recorrente.

As casas dos Estados Unidos era diferente da casa que ela viveu sua infância no Brasil. Os norte americanos tinham o costume de não terem muros, o que foi motivo de estranheza quando ela visitou o país pela primeira vez. 

— Querida, daqui a pouco eles não vão ter mais o que inventar para bater aqui.

Seu doce esposo, Oliver Morelli, dizia.

Sim, Anália sabia muito bem disso e não via a hora das desculpas se esgotarem e eles não terem o que falar mas, enquanto aquelas crianças tivessem criatividade, ela iria fingir que acreditava nelas. Era um acordo implícito entre eles.  Naquele dia em especial, Anália fazia bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro, receita que aprendeu com sua avó quando ainda morava no Brasil. Seus dois filhos, Maya e Ian, amavam esse bolo.

— Maya, meu amor, você pode ir lá em cima chamar seu irmão para secar a louça do almoço?

Maya, com seus seis anos de idade, coloria um de seus inúmeros desenhos. A garota amava desenhar, tinha puxado o dom de seu tio Victor, irmão de sua mãe, que morava no Brasil. Maya tinha muito orgulho de ser metade brasileira, metade americana, metade italiana. Quando ela se irritava com alguma coleguinha da escola ou da rua, falava em português ou em italiano, deixando elas sem entender uma única palavra do que dizia. Teve uma vez que a pequena menina de cabelos cacheados falou mal da colega de sala para seu irmão Ian, em português, e sua mãe ouviu. Claro que Maya levou a maior bronca de sua vida e teve que prometer que não iria falar mais essas palavras feias sobre alguém. Ás vezes a garota esquecia que seu traço brasileiro vinha de sua mãe e era óbvio que Anália Santana falava mais português do que Maya e Ian, afinal, era a língua materna dela. O traço italiano vinha de seu pai, Oliver.

— Deixa só eu acabar de pintar esse daqui, mamãe, já estou indo lá.

Anália assentiu e se virou para tirar o bolo do forno, colocando ele em cima da bancada de mármore e admirando sua mais nova obra prima. Daqui a pouco ela escutaria as batidas na porta e iria atender com um ou dois pratos na mão. Depois de ajeitar o bolo, a moça olhou com carinho para sua caçula. Maya estava de trancinhas presas nos dois lados da cabeça e duas presilhas enfeitando a trança, uma rosa e uma lilás.

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