03. Cor Rubra

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Harry e Louis caminhavam em silêncio há alguns minutos, vagando pelos corredores à meia luz. Nenhum deles descreveria a sensação como desconfortável, mas certamente um sinônimo da palavra poderia ser usado.
    O distanciamento entre os corpos refletia bem o estado emocional da relação conturbada. Estavam naquela condição há meses, desde o rompimento em março do mesmo ano. Harry engoliu em seco, sentindo o amargor que a memória trazia consigo.
    Quando se está num relacionamento há tanto tempo, é natural que o casal deseje evoluir lado a lado. Conquistar coisas juntos, dar um passo já na esperança do próximo. Harry e Louis não eram diferentes de qualquer outro casal, queriam as mesmas coisas e tinham os mesmos objetivos. Exceto que seus problemas diferenciavam-se dos enfrentados pelos demais casais.
    Começaram a namorar por volta de 2011 e tudo corria bem até o final do ano seguinte, quando a mídia começou a especular ainda mais sobre o possível envolvimento. A gestão de imagem da banda logo tratou de cortar pela raiz todo e qualquer rumor envolvendo os dois. Atrizes foram contratadas, múltiplas vezes, para abafar o menor indício de polêmica em torno deles.
    Apesar de ser um namoro um tanto quanto diferente do que o que Harry costumava se imaginar vivendo no auge da sua juventude, era a melhor coisa que lhe tinha acontecido. Fora presenteado com o maior dos clichês: apaixonou-se pelo seu melhor amigo.
    Harry mal podia acreditar em sua sorte. Ainda no início do relacionamento, passara noites em claro imaginando estar enlouquecendo. O garoto pelo qual se apaixonara o correspondia. A maioria das pessoas nem se dá conta do quanto isso é raro.
    Há mais de sete bilhões de pessoas no mundo. Encontrar uma com a qual se identifica a ponto de amá-la já parece ser uma tarefa difícil, mas conhecer essa pessoa e ter o privilégio de ser amado por ela vai contra todas as estatísticas existentes.
    Na teoria, a probabilidade disso acontecer é menor do que a de sermos atingidos por um raio e, desafiando todas essas chances, muitos casais encontram-se e vivem histórias de amor. Grandes filmes são feitos sobre esses homens e mulheres e não é a toa que fazem tanto sucesso, todos queremos acreditar no amor. Independente de sermos ou não escolhidos para vivê-lo.
    Harry costumava ter muito medo de não ser um desses escolhidos. Sempre foi um garoto romântico e acreditava que o universo lhe daria a chance de viver um grande amor.
Quando encontrou Louis, lembra-se de ter levado os olhos aos céus por um instante, num gesto de agradecimento contido. Finalmente havia chego sua vez de viver uma das comédias românticas que tanto gostava.
    E ele, de fato, viveu. Só porque um filme acabou não significa que a história deixou de existir. Muito menos que a trajetória dos personagens havia se encerrado com o rolar dos créditos. Algumas histórias de amor até mesmo ganhavam sequências anos mais tarde.
    Harry imaginou estar aproximando-se de seu final feliz em setembro de 2013 ao que Louis lhe prometeu o futuro.
    Não era um pedido de casamento, não era um acordo oficial, mas era tão verdadeiro quanto.
Ambos estavam conscientes de que a caminhada ainda seria longa antes que pudessem declarar juras de amor em voz alta. Conheciam os empecilhos, estavam familiarizados com os obstáculos que teriam de enfrentar. Mas, acima de tudo, estavam certos de que aquilo que tinham não era fruto do acaso.
    Louis sabia que Harry sofria em manter a postura frente às câmeras, jamais deixaria que ele perdesse a esperança de um dia poderem estar juntos diante daquelas luzes que, por tanto tempo, os cegaram. Não hesitou nem por um momento quando prometeu seu futuro ao garoto de cabelos cacheados e soube estar tomando a decisão correta quando o ouviu jurar diante de seus olhos que seria seu.
    Mesmo que as palavras que saíssem de suas bocas não fossem aquelas, eles seriam um do outro em silêncio até que pudessem dizê-las em alto e bom tom. O futuro de um deles era também o do outro, independente de terem ou não um papel da prefeitura oficializando aquilo.
    Harry nunca deixou de usar a aliança com a qual Louis o presenteou naquele dia. Podia ser tolo manter a prata em seus dedos, mas não era capaz de guardá-la em outro lugar. Afinal de contas, não era como se fosse um anel de noivado. Era apenas o presente de um amigo cujo nome havia sido entalhado no coração dele. Louis sempre estaria com Harry, quisesse ele ou não.
    Ambos viram os créditos rolarem diante de seus olhos ao que a tela ficava cada dia mais preta. A princípio, o fim parecia vir de forma sutil. Algumas discussões aqui e alí. Meses se passaram e março veio como uma avalanche.
    Zayn deixou a banda na última semana do mês, poucos dias depois Harry deixou Louis.
Era difícil colocar em palavras o sentimento que assomou o peito do menor nos dias que vieram a seguir. Nada mais parecia fazer sentido, estava completamente sozinho. É duro o suficiente ver alguém que você ama despedir-se sem dar espaço para despedidas. Dois dos homens que Louis mais amara por anos haviam-no deixado, dois de seus melhores amigos.
    Por vezes, a dor pareceu tanta que sentiu a necessidade de extravasar de alguma forma. Conflitantes eram os sentimentos dentro de si, não sabia ao certo se o que buscava era esquecê-los ou senti-los em toda sua glória. Imaginou que se fosse capaz de digerir genuinamente tudo que sentia, teria um colapso emocional do qual jamais iria se recuperar.
    Não aguentou mais que alguns dias sozinho em seu apartamento que parecia tornar-se maior com o passar das horas. Louis nunca fora acostumado a ficar só, sua família era grande demais para isso.
    No mês seguinte, encontrou conforto na bebida e em emoções vazias que inundavam seu peito por tempo o suficiente para que deixasse de pensar em Harry. Conheceu pessoas as quais não lembraria o nome dias mais tarde e acordou em quartos com cores diferentes das do seu. Tentava não pensar que os olhos verdes pudessem estar experienciando a mesma rotina.
    Harry fora quem decidiu não cumprir sua parte no acordo firmado há anos entre eles. O que Louis mais queria era poder odiá-lo, gritar obscenidades enquanto o maior lhe dava as costas, mas simplesmente não sentia-se assim. Nem ao menos culpava Harry por querer mais do que Louis estava disposto a lhe dar naquele momento. Harry merecia tudo aquilo que estava pedindo e Louis desejava ser o homem a dar tudo a ele, desejava aquilo mais do que jamais havia desejado qualquer outra coisa.
    A limpeza de imagem pessoal de Harry começara no ano anterior. Pouco a pouco, o garoto desprendia-se da visão midiática de 'womanizer' imposta brutalmente a ele quando tinha não mais de dezesseis anos. O processo seria lento e gradual, ambos foram avisados disso. Paciência era uma virtude que desenvolveram ao longo do tempo.
    Ver o namorado mais aberto e livre para expressar-se como realmente gostaria fazia o esforço valer a pena. Cada resposta dada em entrevistas e cada roupa escolhida por Harry enchiam o menor de coragem para continuar firme e, um dia, ser ele mesmo a poder expressar-se de forma semelhante.
    Seu dia chegaria, estava certo disso. Apenas não imaginou que Harry pudesse se frustrar com a espera.
    Da mesma forma que mostrava-se aberto, esperava que Louis o fizesse com ele. Os olhos verdes fantasiavam tanto acerca do momento no qual finalmente poderiam estar juntos que esqueceram-se da burocracia e podridão por trás de um simples gesto afetivo. Cada músculo de Harry era movido por seu lado emocional e Louis o amava por isso, mas não funcionava da mesma forma.
    Algum deles precisava ser forte pela banda, haviam carreiras em jogo. O menor sempre foi extremamente consciente do tabuleiro no qual estavam inseridos, um movimento em falso e estariam fora. Não permitiria que aquilo acontecesse com eles, muito menos com Niall e Liam. A One Direction precisava vir em primeiro lugar, seus amigos precisavam vir em primeiro lugar. Louis não era egoísta a ponto de pensar de outra forma.
    A última discussão durou menos do que as anteriores, não havia muito mais a ser dito. A pressão em cima dos dois ia além do que poderiam aguentar. Portanto, cederam a ela e escolheram baixar a cabeça para todos que disseram que um amor como aquele jamais iria durar.
    Estavam há alguns minutos em silêncio, apenas o farfalhar dos passos reverberando nos corredores desertos. Não lembravam-se qual o quarto de Helene, mas sabiam estar no andar certo. Em todo o tempo que estiveram ali, não esbarraram em nenhum outro hóspede, o que parecia estranho num hotel de luxo como aquele.
    Ao escolherem virar a direita numa das encruzilhadas, avistaram uma camareira sozinha ao fundo. Suspiraram aliviados, caminhando em sua direção.
    Louis observava cada detalhe daquela imagem peculiar. A mulher parecia não estar saindo de um quarto específico, nem entrando. Estava apenas congelada numa posição um pouco curva, o pescoço inclinado formando um ângulo inquietante. Vestia roupas que o garoto imaginou serem apenas usadas como fantasias em festas de Halloween. Vestido preto até as canelas esbranquiçadas e um avental amarelado cobrindo sua frente.
    Podia-se dizer que a figura era a personificação do estereótipo daquela profissão. Mantinha-se imóvel, ambas as mãos apoiadas no carrinho contendo os produtos de limpeza. Chegando perto o suficiente, Louis pôde ler o nome riscado em seu crachá. Jules. O nome soava como alguém jovem, mas a mulher tinha olhos cansados, duas bolas claras como porcelana vidradas em um ponto qualquer na parede. Parecia ter pego no sono enquanto ainda mantinha suas pálpebras naquela posição.
    Harry olhou para o menor confuso quanto ao que deveria ser perguntado. Louis levou o olhar como um incentivo e quebrou o silêncio com a voz mais suave que conseguiu.
    "Com licença, senhora?" isso foi o bastante para que o corpo miúdo a sua frente saísse de seu transe momentâneo. Piscou apenas suma vez e, ao abrir os olhos, encarou as íris azuis um pouco assustadas.
    'São como vidro' Louis conteve-se para não verbalizar o pensamento por mais que fosse uma constatação da realidade. Os globos oculares de Jules não eram apenas claros, eram como se houvessem sido substituídos por pequenas bolas de gude esverdeadas. Louis apertou os olhos, procurando por pupilas dilatadas como as suas, mas não as encontrou.
    Harry parecia tão confuso quanto ele. Aproximou o corpo ao do mais velho num impulso que não surpreendeu nenhum deles. Louis sentiu os dedos de Harry roçarem levemente suas costas e notou ainda não ter feito pergunta alguma.
    "Desculpe se incomodamos, mas gostaríamos de saber onde se encontra a equipe responsável pela banda One Direction" perguntou com a voz baixa. Os dedos de Harry já seguravam o tecido do moletom entre o indicador e o polegar. "Somos integrantes da banda, eu devia ter começado com isso, perdão" as palavras saíram de uma só vez.
    O rosto da mulher ganhou uma expressão preocupada. As sobrancelhas erguidas quase encontravam-se junto às rugas em sua testa.
    "Vocês estão atrasados!" a voz que ouviram era exatamente como se poderia imaginar de antemão, rouca e um pouco nasalada. "Vocês deveriam estar no cômodo 200 agora mesmo!" voltou-se para Harry, que gentilmente tentou esboçar um sorriso fraco.
    "Nossa equipe está lá?" Louis foi novamente quem tomou a frente. 'Atrasados para quê?' pensou consigo.
    "Vocês são esperados na porta de número 200." a senhora levou a mão direita à altura dos olhos ao apontar para o outro lado do corredor do qual Harry e Louis haviam vindo. "200 é o número da porta cor de rubra, 200 é onde vocês são esperados" baixou a mão e voltou a focar seus no menor.
    Os olhos verdes encaravam os azuis, não sabiam ao certo o que aquela senhora estava dizendo, mas não tinham uma segunda opção. Niall, Liam e Zayn já deviam ter encontrado Helene e partido em direção aos camarins. Era a vez deles de fazerem o mesmo.
    Louis sentiu um toque frio como vidro em seu rosto e tremeu com o choque.
    "Uma mente tão forte para tão pouca idade" Jules desceu o polegar pelas têmporas do garoto de olhos claros. "Espero que sinta-se em casa conosco".
    Harry notou o leve tremor correndo os lábios do menor e apressou-se em agradecer pelas informações, grudando sua mão a de Louis num movimento rápido. Puxou o pequeno corpo consigo ao se afastar, ainda acenando para a figura curvilínea a observá-los partir sem dizer mais nada.
    As mãos pequenas eram geladas ao toque. Harry mal pôde conter sua surpresa ao sentir que Louis entrelaçava os dedos aos seus, o aperto familiar desacelerando o coração descompassado.
    Encontraram a porta de número 200 ao final do corredor. Não era como as outras em ser entorno. Destoava-se pela cor vibrante e pelo tamanho. A numeração esculpida na madeira vermelha fora coberta por tinta preta, diferente das pequenas placas metálicas numerando os quartos ao redor.
    '200 é o número da porta de cor rubra' Harry relembrou as palavras em sua mente. Era alí, aquela era a porta que procuravam.
    Respirou fundo ao estender sua destra em direção à madeira e sentiu o aperto de Louis intensificar-se ao que girou a maçaneta.

♠️ Devil in my Brain • larry •Onde histórias criam vida. Descubra agora