2 - Primeiro contato

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Havia em Selene uma habilidade conhecida como clarividência

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Havia em Selene uma habilidade conhecida como clarividência. Um dom capaz de fazer seu portador enxergar espíritos e fantasmas. Desde pequena, ela se lembra de brincar com crianças já falecidas e de ver criaturas do além. Seu dom no entanto, era considerado uma maldição.

Por vezes tentou afastá-lo por medo e por insegurança. Não havia controle sobre o que ela via, sequer sabia identificar se o que enxergava era fantasia ou realidade. Depois de alguns anos, aprendeu a conviver com isso. Tentou por meses ingerir medicações capazes de bloquear suas "alucinações" e optou em abandonar esses remédios tempos depois. Volta e meia Selene abusa dos medicamentos guardados e cai em sono profundo. Carrega traumas dentro de si que as vezes ela deseja nunca ter recebido tal poder em mãos.

O reflexo de sua mediunidade era parte de uma experiência que teve quando pequena. Seu primeiro incidente mediúnico foi em acidente de carro com sua família. Selene já se perguntou como se lembra de tal evento já que era apenas um bebê.

Apesar de tudo, memórias vagas de seu pai e de sua mãe assombram seus sonhos diariamente. "Onde estão?" Ela se pergunta. Anos sem vê-los por algo que nem ela sabe. Tudo o que tem para recorda-los é a casa deixada por eles e um amuleto metálico de um corvo que ela usa ao pescoço.

Hoje era um dia daqueles. Ela pressentia quando um espírito estava por perto. Sua mediunidade aflorada servia como um radar que capturava a aura de qualquer criatura que se aproximasse. Já não tinha medo, já viu muitos espíritos em vida mas algo estava diferente dessa vez.

Selene seguiu sua intuição e percorreu em passos lentos os cômodos de sua casa. Verificando quartos e corredores, sala, biblioteca e cozinha. Um cheiro podre se alastra ao ambiente. Ali, diante de seus olhos, um ser gelatinoso criando forma em carne. Lama negra misturado a enxofre e fogo marcavam pegadas de pés descalços ao chão. Em questão de segundos a entidade sem forma se tornou em um homem nú em sua cozinha, apoiado e ofegante na bancada, com a cadeira cobrindo sua intimidade.

— Selene de Aphotecarium... — ofegou com seu olhar a ela. Havia brasas percorrendo seu corpo enquanto os tecidos da sua pele se esticavam.

Assustada, não sabia como reagir. Aquilo era diferente de tudo que já tenha visto e era uma manifestação real diante de seus olhos. 

— Você não é um fantasma. — disse com a voz falhada.

— Eu pareço ser um? — rebateu já recuperado. — Preciso de roupas.

Selene paralisou. O medo percorreu a espinha aos pêlos de seu corpo. Aquilo não era um fantasma, estava muito longe de ser um! Ele era visivelmente humano mas consideravelmente não era um. Sua pele era branca e seus cabelos eram negros. Uma cicatriz em V marcava as costas dele e as brasas aos poucos se dissipam.

— Roupas! — repetiu.

— Tá, eu.... Eu vou pegar as roupas do meu namorado.

Selene correu trêmula para o seu quarto, puxou as roupas dobradas no canto esquerdo do roupeiro e deixou um retrato cair ao chão. Rapidamente jogou as roupas para o homem — se é que fosse um — e aguardou virada de costas enquanto ele se vestia. Começou a formular milhões de questionamentos mas o tremor de seu corpo impedia a razão.

— É bom te ver. — ele disse ao se vestir.

— Nunca nos vimos antes — Selene se virou para encará-lo.

— É provável que não se recorde. Suas memórias foram apagadas pela Alta Sacerdotisa.

Selene jurou para si que nunca o viu antes. Vasculhou os próprios pensamentos na tentativa de se recordar dele mas não encontrou nada. Ela definitivamente não lhe conhecia. Mas de algum modo, ele sabia quem ela era.

— Sabe por que estou aqui?

— Não.

— Aphotecarium precisa de você. O último guardião foi morto na noite anterior e a Ordem está atrás dos segredos da irmandade.

— E o que isso tem haver comigo?

— Seus pais deixaram um legado pra você, está na hora de assumir.

Selene riu em negativa. Confirmou para si que estava delirando. Mais uma daquelas alucinações. Ignorou o homem a sua frente e abriu o armário em busca da caixa de remédios. Pegou o frasco laranja e ingeriu a seco duas cápsulas. Não iria demorar para fazer efeito.

— Eu não sou uma alucinação. — ele disse — Esses remédios não farão você melhorar. Sua condição precisa de liberdade. Está privando aquilo que você é.

Selene realmente estava disposta a acreditar que o homem a sua frente não era real. Já havia presenciado situações inexplicáveis e sua terapeuta já havia lhe alertado disso:

" O impacto das memórias de seus pais resultaram na criação de um mundo mágico, Selene. Nada disso é real. Sua mente cria essas alucinações como forma de escapar da realidade em que vive"

De forma rápida, a medicação começou a amolecer o corpo de Selene. Sonolenta, andou a passou tropessantes apoiando-se a parede, em direção ao quarto. Deitou-se a cama e apagou.

Feitiço Sombrio (Escrevendo)Onde histórias criam vida. Descubra agora