O frio e a chuva a cair sobre a estrada não impediam Luffy de estar no meio dela, entre ambulâncias e paramédicos, recusando-se a sair de lá fosse em que circunstância fosse. Ou pelo menos, foi isso que acontecera uma semana antes de se atirar daquela ponte quando, entre luzes e sirenes, nenhum barulho - nem mesmo o da multidão que tentava entender o ocorrido - distraíram Luffy das palavras que lhe foram proferidas de forma tão fria e tão direta em plena via pública.
- Lamento, não podemos fazer mais nada. O coração parou.
- C… Como assim?
- Ele morreu.
Luffy encarou o homem à sua frente sem falar nada. Por segundos, achou que tudo não passasse de uma brincadeira enquanto via o homem que amava ser coberto com um lençol branco, para depois ser levado na ambulância até algum lugar onde o corpo pudesse ser deixado. Fora tudo muito rápido. O sinal vermelho, o carro em alta velocidade, a dor que sentira na cabeça e a forma como acordara com Law sobre ele a protege-lo de um impacto ainda maior. Fora tudo demasiado inoportuno para ser real, como um sonho – ou um pesadelo – do qual esperou por longos segundos para conseguir acordar e não ter de encarar a realidade que agora lhe parecia tão irreal. Fazia apenas uns minutos que tudo estava bem, que Law sorrira para ele, que lhe dera aquele beijo gostoso enquanto falara que o amava. Fazia poucos minutos que ele estava VIVO!
- Como assim ele morreu? É mentira… Não é? Me diga que sim…
- É verdade. Nos desculpe, nós tentamos…
Perdeu o rumo. Foi assim que Luffy se sentiu, perdido. A imagem do mais velho sorrindo ao seu lado era tão nítida na sua mente como a do seu corpo, agora pálido, a ser levado na sua frente. Tudo era tão estranho que não parecia realmente estar a acontecer e talvez, na mente de Luffy, fosse a essa esperança que se amarrara para conseguir sair daquele local pelo próprio pé.
Horas depois, em casa, sem se importar mais com os próprios ferimentos, a realidade caiu-lhe em cima e só então, percebeu que aquela solidão era real. Sem conseguir nem chorar direito até ao momento, em algum ponto da sua cabeça, tudo parecia um filme que acabaria quando Law voltasse a entrar pela porta da frente, a qualquer momento.
Mas não voltaria… Não estaria mais deitado ao seu lado, não lhe daria mais cafuné, não o abraçaria de novo, não o beijaria nunca mais, jamais ouviria de novo, se quer, a sua voz. E essa realidade, o deixou sem saber o que fazer. Como se a sua mente se desligasse do mundo no momento em que confrontara o quão reais eram aquelas palavras que lhe foram ditas pelo paramédico no local do acidente, agira em piloto automático para simplesmente chegar naquele lugar e se deitar sobre a cama do pequeno quarto que antes pertencia a ambos, ficando ali por alguns dias mantido a bebida, tentando despertar para um pesadelo que era a sua nova realidade. Sem sucesso…
- Torao… Tô com fome… Faz algo para mim – murmurou, talvez numa esperança de ouvir alguma coisa, algum som que lhe indicasse que havia gente em casa, alguma reclamação do mais velho sobre o seu apetite lhe estourar o salário.
Nada… Nenhum barulho... Nenhuma presença… Nenhuma pessoa… E de novo, voltava à escuridão da sua mente embalado pela solidão esmagadora do silêncio.
Se levantou bem de vagar e numa tentativa de se alimentar de algum jeito, acabou indo parar na cozinha. Tentou comer mas sem apetite, apenas pegou em outra garrafa de vinho da despensa e ficou bebendo ela na frente da prateleira da sala. Encarou o álbum de fotos escondido entre os livros de medicina onde algumas poucas imagens estavam guardadas, colocou ele sobre a mesa e abriu, começando a folhea-lo de mãos trêmulas não sabia se pelo álcool presente no organismo, ou pela raiva da dor da perda que aos poucos aumentava e cada vez mais fazia pesar o seu peito. Encontrou uma fotografia de Sabo, aquela que ainda insistia em guardar mesmo com as memórias ruins que lhe trazia. Ao seu lado, havia outra tirada sobre aquela ponte, antes enfeitada para o festival de outono, onde Law o pedira em casamento num momento que fora inesquecível para ambos.
Encarou a sua mão. Além do seu anel, o do ex-marido também lá estava após ter-lhe sido entregue pelos paramédicos no local onde o óbito fora declarado dias atrás. Então, enfim, a primeira lágrima rolou. Perante a imagem distorcida de que aquilo não era verdade, finalmente a realidade batera de frente com tudo para lhe dizer que não era apenas um sonho. Aquela foto, aquela simples foto que jamais poderia ser repetida destruíra por completo o seu psicológico para acabar com o seu ser.
- Porque eu estou chorando? Você vai voltar, Torao. Você prometeu que nunca me deixaria sozinho, não foi? Por favor… Não me deixe… Torao…
De novo, o silêncio. Enquanto as lágrimas corriam pelo seu rosto em direção àquela imagem que retratava, provavelmente, o dia mais feliz da sua vida, Luffy continuou a desabar. Se levantou e, sem nem se importar com trancar a porta da frente ou com a chuva que entretanto começara a cair sobre si, vestiu o casaco de Trafalgar que costumava ficar pendurado no cabide de entrada e começou a caminhar pelas ruas.
Antes que desse por isso, estava de frente para aquela casa. Aquela onde passara a sua infância com os dois garotos que antes chamava de irmãos...
“Como assim, você gosta de um homem? Enlouqueceu de vez??!”
“Acabe com essa palhaçada, acha que eu vou permitir isso?”
“Você não é mais meu irmão. Suma!”
Abraçou-se a ele mesmo a ranger os dentes enquanto as palavras de Sabo de dois anos atrás ainda ecoavam na sua cabeça. A chuva caía sobre a sua pele encharcado ele por completo, o seu desespero aumentava e o menor foi capaz, apenas, de cair de joelhos sobre o asfalto e segurar o tronco contra ele mesmo. Soltou um grito alto abafado pelo som da chuva que á muito se encontrava preso no fundo da sua garganta, talvez um berro não tão forte como o seu sofrimento mas ainda assim, uma tentativa frustrada de mandar parte da sua raiva embora e tentar arrancar com ela a dor que se instalara no seu peito.
Nada… Ela não desaparecia… Ele tinha perdido tudo. Os amigos, os irmãos e agora, a única que o amava. Law morrera e ele estava sozinho. Não tinha mais ninguém.
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Antes do último suspiro
FanficLuffy perdera tudo. E agora que não tinha mais ninguém, não precisava tirar o sorriso dos outros. Bastava reencontrar o motivo do seu... 21/04/2021 - 30/04/2021 História anteriormente postada também no Spirit.