Capítulos 17, 18 e 19

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[Emerson]

17 – A chegada do Aedo

Eu revi os meus conceitos, em relação à garota "It, a coisa". Graças a ela, estávamos os dois à mesa de jantar daquela família humilde, numa vila de pescadores, comendo de sua comida e usufruindo de sua hospitalidade... E tudo porque Manuela conseguiu chegar até eles, apresentar-se sem dizer uma única palavra e fazê-los acreditar que era surda-muda. E deduzo que me fez passar por seu marido - convenientemente estrangeiro – apenas por meio de mímicas que, para mim, soaram estapafúrdias.

Ela sempre dizia que era perita em linguagem corporal. Agora, eu acreditava na sua palavra!

Eles também acreditaram e nos receberam. A nós e a ovelha destrambelhada, que agora estava no cercado com as outras - botando o papo em dia.

Após o jantar, percebendo que o patriarca não era dado a conversa mole (graças a Deus!), fui me sentar perto da rua. Eu estava agradavelmente satisfeito – considerando que passamos quase dois dias inteiros a base de água salobra e bala de goma...

Sem mais nada a fazer, eu observei a vida na vila. Não era muito diferente do nosso tempo. As pessoas tinham tarefas, as crianças brincavam e também tinham tarefas... Ali perto, algumas mulheres idosas teciam suas rendas. Homens tiravam água de poços artesianos e as mulheres carregavam em espécies de baldes feitos de juncos.

Mas, aos poucos as atividades externas foram se extinguindo com o avanço da noite. As luzes das velas e lucernas foram acesas, no interior dos casebres.

Eu observava a tudo, fascinado... De repente, um reboliço me chamou a atenção. Uma pessoa surgiu no final da ruazinha de areia. Era jovem e alto. Pelo visto, bem apessoado, já que Manuela parou de andar na minha direção para observar a sua chegada.

Ela o avaliou da cabeça aos pés, com cara de " Uau! Quem é este?"

Eu me pus a observar com mais atenção, quando as crianças correram para ele e o estranho continuou andando, sem muita firmeza, mas emanando a estranha segurança de quem estava entre amigos - ou, ao menos, conhecidos. As crianças o conduziram, apesar de ele ter um cajado longo para se apoiar e com o qual testava o terreno à frente.

Mais e mais crianças e jovens o rodeavam... Por que? Normalmente isso acontecia com os anciãos... Pelo menos, eu acreditava que os anciões eram mais respeitados na Antiguidade, do que no meu tempo.

O que esse rapaz tinha de diferente?

À medida que ele se aproximava, a luz da fogueira o iluminou em cheio. Reparei que ostentava um sorriso permanente, mas os olhos pareciam vagos... Ora, ele era cego! As crianças o conduziram para uma pedra larga e alta. O comportamento delas demonstrava que não só o conheciam, como o adoravam.

Ele tocou a pedra, tateante, virou-se e se sentou nela, apoiando o cajado ao lado. Então, inesperadamente, começou a cantar com uma voz excepcionalmente melodiosa.

Mas cantar, não era bem o verbo correto... Ele declamava e cantava a um só tempo. Parecido com opera, mas não era exatamente isso. É difícil descrever o que ele estava fazendo - falando em ritmo cantado. Eu me aproximei para assistir e analisá-lo melhor... As crianças e jovens sentaram ao seu redor, para escutá-lo atentamente.

Um contador de estórias?

Um menestrel?

Não...

Ah, acho que comecei a entender o que estava acontecendo. Então... Era assim que os aedos atuavam! Eu já tinha lido algo a respeito, em livros, mas nunca imaginei, ou sonhei que fosse daquele jeito! Ninguém descrevia nos livros como era a sociedade dos tempos remotos, em seus detalhes cotidianos. Nem poderiam, pois não estavam lá!

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