A droga do Prólogo

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A droga do Prólogo.


Quando falavam para Alyssa sobre a morte, apenas a paz vinha na sua cabeça. Nunca teve medo, apenas curiosidade. Aquilo era algo inevitável, afinal, e acontecia com todos sem exceção. Ela havia apenas decidido viver a vida da melhor forma, apenas aproveitando e evitando deixar mágoas para quando o dia chegasse, ela olhasse para o passado e pensasse "Okay, está tudo bem", e então quando partisse, a sua vida teria valido a pena.

Ela apenas não achou que chegaria tão cedo.

Doía pensar, três anos depois, nos pais, irmãos e em todos aqueles que deixara para trás no dia em que partira. Estraçalhava a sua alma, a fazia se sentir tão estupidamente perdida e arrasada que quarteirões inteiros iam (literalmente) para os ares.

Mas de todos, a pior parte era saber que uma hora ela se esqueceria.

— Um dia — mestre João disse, olhando para ela com carinho — o tempo vai ter passado e você se esquecerá quem eles eram, seus rostos, nomes e comidas favoritas. Esse é um dos maiores preços da eternidade.

— Mas eu não quero essa bosta — Alyssa reclamou, pegando num dos fios recém tingidos e arrancando um tufo de cabelo de uma só vez.

João suspirou, sabendo a dor que a jovem sentia. Alyssa percebeu, logo quando ele a encontrou três anos antes, que ele genuinamente apenas se preocupava e queria ajudar. Não era como se ele esperasse algo em troca; na verdade, o senhor tinha muito mais a perder com essa história.

Fora ele que a encontrou logo depois que Alyssa conseguiu fugir do hospital. Não sabia como, mas havia escapado da morte naquele dia.

— Vou ter uma reunião em algumas horas — ele disse, olhando para o velho relógio de pulso. Mesmo vivendo na era moderna, ele se recusava completamente a aderir aos smartphones, televisões e qualquer coisa do tipo.

Por sorte, Alyssa estava liberada para ter o que quisesse desde que mantivesse em segredo o fato de que ela era um monstro assassino chupador de sangue.

Parecia uma boa para ela.

João era um caçador, e supostamente devia matá-la. Ela não sabia exatamente o que fazia com que ele a mantivesse viva e a ajudasse tanto a se manter assim, simplesmente não fazia sentido, para ela, o fato dele tentar ajuda-la desde antes de sequer saber o seu nome, mas ela não reclamava. Na verdade, sentia-se grata por tudo que o senhor havia feito por ela.

Os seus dedos seguraram com força a xícara de café. O calor não aquecia os seus dedos gelados, mas fazia com que ela se sentisse viva e reconfortada. O sangue (apenas algumas gotas, nada demais) se misturava com o café, trazendo uma sensação parecida com a de tomar um chá na casa dos avós e comer biscoitos.

Respirou fundo e fechou os olhos, virando a cabeça levemente para o lado ao lembrar dos avós. Como será que eles estavam? Da última vez que os vira, ela havia acabado de ser vacinada e tinha ido com eles comemorar (ainda distante, já que ela não queria dar sorte ao azar).

Como ela queria poder voltar no tempo e abraça-los, ao menos uma vez.

Já que isso seria impossível, ela apenas esperaria que João saísse e tomaria uma das suas velhas garrafas de uísque contrabandeadas da última vez que lhe foi permitido sair de casa.

Álcool é perigoso para vampiros. João havia dito uma vez. Pode não os afetar como afeta os humanos, mas se combinado com sangue, a embriaguez é total.

E era óbvio que ela queria experimentar essa combinação explosiva.

— Sentindo-se bem? — João perguntou, se levantando e vestindo um casaco de couro marrom.

— Apenas cansada.

— Não se esqueça que amanhã você tem escola — ele disse, apertando melhor o relógio no seu pulso. A sua pele escura brilhava pelo suor, já que a pequena casa de madeira sequer tinha ventiladores. — Descanse bem, saímos daqui umas cinco. Devemos chegar a tempo da sua primeira aula.

— Não posso arrumar mais uma desculpa esfarrapara para nós podermos ficar mais uma semana por aqui?

A casa que eles estavam era temporária, mas acabara durando tempo demais. Havia sido usada durante o último um ano e meio, já que ficava longe o suficiente da sede dos caçadores para que ninguém quisesse visitar João de forma inesperada, mas perto o suficiente para que ele pudesse comparecer às reuniões.

Fora ali que ela aprendeu a se controlar, utilizar sigilos vampíricos de forma correta e controlar o seu dom de uma forma menos explosiva.

Eles demoraram quase um ano para perceber que seria mais fácil controlar o temperamento de Alyssa que os seus dons indesejáveis.

— Apenas se comporte. Esteja com as malas prontas às cinco e não faça nada que eu não faria.

— Pode deixar — ela disse, prendendo os fios platinados num rabo de cavalo alto e dando o último gole no sanfé, como ela preferia chamar.

Ela não esperou que João estivesse longe o suficiente para atacar a garrafa de uísque e rezar para que estivesse sóbria até ele chegar.

TALVEZ AS ESTRELAS SEJAM FEITAS DE SANGUEOnde histórias criam vida. Descubra agora