CAPÍTULO 3: CONTANDO CARNEIRINHOS

16 4 0
                                    

   O sol batia em seu rosto, penetrando a persiana e ferindo seus olhos, só nesse momento reparou aonde estava, haviam paredes brancas e uma TV ligada em um programa de auditório, e ali cantava uma dupla sertaneja, ao seu lado direito haviam duas macas com lençois azuis, ao lado esquerdo um homem estava deitado de maneira nada confortável em uma fileira de cadeiras de plástico que serviam para os acompanhantes, ele parecia ser alto, no mínimo 1.80, estava vestido como um peão de fazenda, botinas sujas de terra vermelha, jeans velhos, regata preta e por cima uma camisa de flanela, tinha também um cinto com uma fivela não tão grande, um chapéu de cowboy cobria seu rosto, provavelmente também ficou encomodado com o sol da tarde, o relógio de parede marcava três e meia. Mas ela ainda não tinha entendido uma coisa... Como ela havia ido parar lá? Suas últimas memórias eram dela correndo mata a dentro, fugindo de alguma coisa, algo que sua mente não lhe dava acesso, ela não conseguia se lembrar do que havia acontecido, nem por que estava fugindo aquela noite. Alguém provavelmente saberia ajudá-la.
   -Oii - o som da sua voz saiu rouco, parecia que falar era mais difícil que correr uma maratona, era difícil e cansativo - olá moço, você pode acordar por favor.
  Depois de alguns movimentos e resmungos, ele tirou o chapéu da cara, ainda de olhos fechados ele se sentou na cadeira, se espreguiçou e logo depois estralou o pescoço, algo que até a assustou, nunca tinha visto ninguém fazer aquilo antes, pelo menos não em sua frente, e com tanta normalidade. Em seguida o estranho abriu os olhos, o homem tinha no máximo 25 anos, tinha cabelo louro curto meio bagunçado, e uma barba que lhe cobria o rosto de maneira que representava fazer alguns dias que ela não via uma gilete, um nariz grande e a boca simétrica, faziam um conjunto perfeito, e seus olhos, eram a coisa mais linda que já tinha visto, as cores transitavam do verde ao azul conforme a luz penetrava na íris, um lago de cores hipnotizantes.
  Demorou alguns segundos pra sua mente entrar no ritmo e perceber o que estava acontecendo, mas quando ele a viu acordada até expressou um modesto sorriso.
   - Olha ai quem acordou, buenas guria, bem vinda de volta ao mundo dos vivos - ele tinha um sotaque gostoso, puxando um pouco no "R", ele era do Sul concerteza.
   - Quem é você? Como eu vim parar aqui?
   - Então, meu nome é Miguel, eu te encontrei ontem a noite perdida e atordoada no mato que faz fundo as terras do meu patrão, acho que na verdade tu me achou - uma pausa - e qual teu nome?
   - É.... É Mariana, e obrigada por me ajudar
   - Disponha, você literalmente apagou na minha frente, não tinha como não ajudar - sentiu seu rosto corar, não se lembrava disso, e com certeza ela não era garota que desmaiava por qualquer coisa - Você precisa descansar mais um pouco, mas antes me da algumas informações, tem alguém que eu possa ligar? Um pai, uma mãe, avós, namorado ou namorada, irmã, alguém da família?
    - Não, me desculpa, sou só eu - após dizer isso, ela observou um relance de compreensão e pena passar por seus olhos
    - Tudo bem, relaxa, vamos dar um jeito.
   Nisso ele apenas se levantou e saiu pela porta, ela esperava que ele voltasse, pelo menos teria alguém para conversar.

  Miguel sentia-se exausto, passou a noite em claro cuidando da garota que nem conhecia, tinha dor nas costas, e parecia que um elefante tinha sapateado no seu quadril. Dirigiu-se até o corredor onde planejava ligar para seu patrão, iria contar que a garota tinha acordado e que ele tinha descoberto o nome dela, já era alguma coisa. Pegou seu celular e começou a procurar o contato do seu Pedro em sua lista, enquanto procurava ao mesmo tempo marchava lentamente até o bar que havia na frente do hospital, para no mínimo comer alguma porcaria para enganar a fome, não tinha comido na noite passada, e agora seu corpo começava a protestar.
   Atravessou a rua que estava pouco movimentada e entrou em um barzinho, tinha as paredes pintadas em azul claro, várias mesas de lata estavam distribuídas pelo local, em um canto um grupo de torcedores do Goiás assistia a um jogo onde ele perdia de 2x0 pro Cuiabá, esses times não tinham muita importância pra Miguel, sendo que era gremista e não acompanhava Jogos desde que se mudou para lá, atrás dos torcedores havia um balcão com uma grande cuba de lanches salgados. Ele conhecia aquele bar, já havia vindo algumas vezes, sabia que o enroladinho de salsicha era do outro dia, e que a coxinha era mais massa que recheio, mas os pastéis eram mais ou menos até, ele caminhou até a atendente, pediu quatro pastéis, uma lata de guaraná e sentou na mesa. Já eram uma quase quatro horas da tarde e ele decidiu que era melhor avisar o seu Pedro, ele pegou o celular e ligou.
   -Alô, buenas senhor
   -alô meu fio, tava esperando tu me ligar, tava até pensando em ir aí, ta tudo bem com a menina?
   -A guria acordou, ta meio grogue ainda, mas ela disse o nome, é Mariana, e ela não tem parentes nem nada do tipo, é sozinha
   -Mas e o sobrenome?
   -Eu não me lembrei de perguntar
   -Pois pergunte da próxima, mas e você, ta com a voz cansada Miguel
   -Deixa quieto patrão, eu só dormi mal
   -Mas deixa a garota aí, você nem conhece ela
   -Sei disso, mas me sinto responsável, eu achei ela, e foi pra mim que ela pediu ajuda
   -Mas e depois?
   -Depois eu vejo melhor o que eu faço, agora me da licença patrão, quero terminar de comer uns pastel de vento que eu comprei
   -Ta tudo bem, qualquer coisa me ligue.
  A conversa tinha sido bem corrida, mas ele esperava que Pedro entendesse a história, agora ele precisava voltar para o quarto de hospital e tentar descobrir direito quem era Mariana, e como ela tinha ido parar naquela mata descalça. Subindo pelas escadarias do hospital Miguel deu de cara com dois enfermeiros levando uma senhora em uma maca pra ambulância, apesar da cena, a moça da terceira idade estava sorridente, e ria com as brincadeiras dos enfermeiros, provavelmente aquela ambulância apenas levaria ela para casa, ver coisas assim deixam-no feliz, nem todo mundo saia de lá sorrindo. Ao ir para o segundo andar que era a área dos quartos, ele cruzou com mais alguns pacientes, mesmo eles parecendo bem, o hospital passava um ar muito pesado de dor, era um local frio e triste, parecia que ninguém era feliz ali.
   Mariana estava comendo quando ele chegou, então ele apenas sentou na cadeira e ficou observando, e as vezes disfarçava quando ela notava o olhar dele, só agora ele tinha conseguido notar alguns detalhes a mais nela, quando ela sorria ou mastigava deixava aparente uma covinha em sua bochecha, e ela também tinha olhos castanhos que combinavam com seu cabelo também na mesma cor, suas mãos eram delicadas, sinal que nunca tinha trabalhado no interior.
   -Qual seu sobrenome? - Perguntou sem rodeios
   -É Almeida.
   -Como você foi parar na mata?
   -Eu não me lembro... Só me lembro de estar correndo de algo, mas não sei o que ou quem era
   -Você é de onde?
   -Garoto, você virou repórter agora? -era perceptível um tom de irritação na sua voz, então Miguel decidiu parar de fazer perguntas e apenas recostou sua cabeça na parede, fechou os olhos e começou a refletir sobre o que ela tinha dito, apesar de não ser muito.
    -Que idade você tem? -Dessa vez foi ela que perguntou, tinha acabado de comer e agora parecia disposta a conversar.
    -Tenho 24
    -Eu imaginei, você é de onde?
    -Agora tu virou a repórter
    -Eu posso, eu que to na cama de um hospital, quero conhecer a pessoa que me encontrou- Mariana tinha um ar travesso quando fazia as perguntas, dava pra se notar muito bem que ela fazia capacho de qualquer um com seu ar de menininha
    -Ok... Eu sou de uma cidade no interior do Rio Grande do Sul, cresci trabalhando em lavouras, me mudei a cinco anos pra cá e desde então eu trabalho e moro em uma fazenda aqui na região, agora é sua vez.
    -Meu pai era jardineiro na casa de uma família que tinha muito dinheiro, não conheci minha mãe, e ele acabou morrendo quando eu tinha seis anos de idade, daí então eu continuei morando com a família e eles me deram teto até os dezoito anos, quando eu fiquei de maior eles me mandaram embora, disseram que não iam mais me sustentar, mesmo eu trabalhando como faxineira eles só me deram estudo, nunca me pagaram nada, e eu sai de lá só com alguns trocados que eu tinha juntado e algumas roupas que eles me deram. Eu moro, pelo menos morava até então em um abrigo pra sem teto em Goiânia... Mas não tenho ideia de como vim parar aqui.
    -Goiânia!!! Isso fica a trezentos quilômetros daqui, isso não é possível, aqui é São José do Norte.
   Seu rosto expressava uma mistura de incredulidade com curiosidade, ela realmente não sabia como tinha chegado lá.
     -Que cheiro é esse? - a garota perguntou isso fazendo uma careta e pondo a mão no nariz, Miguel parou um pouco e prestou atenção.
     -Ah, é meu, é cheiro de diesel misturado com tratamento de semente. Eu vou em casa tomar um banho e trocar de roupa, até as sete eu volto.
     -É melhor mesmo, a coisa ta feia aí.
     -Você não era a coisa mais cheirosa do mundo quando eu te encontrei hahaha - ela corou quando ele falou isso
   Miguel saiu pela porta e foi até a caminhonete, teria que arrumar um lugar pra Mariana ficar, não tinha condições de ela voltar para sua cidade, não agora.
  

Bah! PeãoOnde histórias criam vida. Descubra agora