CAPÍTULO 4: CÃES E GATOS

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   Os raios de sol da última hora do dia batiam nas vistas de Miguel, forçando-o a cerrar os olhos para conseguir enchergar a estrada. Um banho demorado seria mais do que bem vindo depois daquela noite no hospital, ainda estava remoendo tudo o que Mariana havia lhe contado, mas não com mais tanto fervor, o cansaço já estava tomando conta dele de novo, quem sabe até tirasse um cochilo de uma hora em sua cama macia.
    A porteira da Fazenda foi aberta para ele pelo capataz e logo fechada, ele parou a pick-up ao lado da moradia, caminhou reto para seu quarto, escolheu uma roupa um pouco menos desleixada, enrolou tudo em uma trouxa com a toalha de banho e foi para o chuveiro. A água estava morna, não era uma ducha que esquentava a água, e sim o sol que batia o dia todo nos canos de ferro e mantinha ela sempre agradável. Saiu do banheiro já vestido com suas roupas que normalmente ele usaria pra ir em um barzinho, camisa preta de manga curta por dentro do cinto, jeans azuis, coturnos e um chapéu. Antes de sair do seu quarto, deu uma boa olhada na cama, parecia muito convidativa, mas não havia tempo, disse que as sete estaria de volta no hospital e no seu celular já marcavam seis e vinte, era um caminho longo até a cidade, uns 23 km, mas mesmo assim precisa falar com o patrão.
    Miguel atravessou o pátio da sede, o único vestígio de sol era uma mancha laranja no horizonte, escurecia cedo aquela época do ano, as luzes da fazenda já estavam todas acesas, ao longe podia-se escutar o zunido do motor das máquinas, sinal que os peões iam varar a noite encima dos tratores. A casa do dono da fazenda era toda feita de tijolos a vista, tinha quatro andarem e grandes janelas de vidro fumê, era imponente por fora e elegante por dentro, não tinha sido economizado um tostão naquela construção. Ao fazer gesto de bater na porta, ele escutou um pigarrear bem atrás de si...
   -Hora hora hora, se não é o cowboy do sul- ele poderia reconhecer aquela voz fina e suave  qualquer lugar
   -Eu devo ter jogado pedra na Cruz, não é possível, como vai dona Betina?
   Ao se virar ele parou um pouco e analisou a garota, não tinha mudado nada desde a última vez que tinha visto, a pele branca tinha ganhado um bronzeado, mas era só isso, tinha cabelos loiros lisos, e olhos azuis, uma boca carnuda e bem desenhada, o corpo parecia uma escultura de mármore, 1.75 da mais pura malícia, uma mulher que é o sonho de qualquer macho, mas Miguel conhecia os joguinhos e os truques dela, não funcionavam mais com ele.
    -Sentiu saudades?
    -Senti foi alívio, mas felicidade de pobre dura pouco.
    -Aíí, credo, você não tem coração não?
    -Não mais, tu pisou nele se lembra?
    -você precisa mesmo tocar nesse assunto? Eu errei eu sei, nunca vai me perdoar? -Aquilo era uma longa história, de quando ele tinha começado a trabalhar lá, não gostava nem de pensar no assunto
    -É claro que eu te perdoei, mas nunca vou esquecer o que você fez comigo
    -Foi um erro
    -Não, foi uma escolha... Agora me da licença que preciso falar com teu pai.

   Após ter uma conversa até que bem curta e decisiva com o homem que pagava seu salário, Miguel caminhou até a caminhonete parada na sombra de uma árvore, no caminho parou para observar algumas coisas que ele amava naquele lugar. De onde estava dava pra escutar um som muito familiar e ao longe ele conseguir ver o que era, embaixo da varanda da última casa de peão, dois empregados que deviam ter terminado antes o serviço, cantavam velhas modas sertaneja, um deles até ponteva uma viola, a cada moda tomavam um trago de pinga, é rasgavam outra música, aquilo era felicidade.  Mas um som vindo de um lugar diferente o chamou mais atenção, alguma coisa havia feito barulho na caçamba da s10, andando sorrateiramente ele cruzou pela frente dela e foi indo devagar até a traseira, a meio caminho notou que a capota marítima estava aberta, e ele tinha certeza que tinha deixado fechada, chegando mais perto ele conseguiu ver uma cabeça de cabelo escuros se mechendo, quem quer que fosse estava sentada de costas para o vidro traseiro da cabine, e um som familiar vinha da pessoa, som de lápis no papel, só ao parar do lado da caçamba podia-se ver quem realmente era a pequena invasora.
   -Buenas - a garota deu um sobressalto, estava tão imersa em seu desenho que nem notou que alguém tinha se aproximado.
   -Ai meu Deus, Oii, que susto, eu não tinha te visto. - Aquela moça era realmente diferente das que já tinha visto por aqueles lugares, não dava pra observar muito bem ela, pois a única luz era da Lua, mas ela tinha cabelos castanhos um bem lisos que iam até a metade da barriga, tinha olhos castanhos bem escuros e até meio puxadinhos, e nossa senhora que sorriso era aquele, digno de comercial de pasta de dente.
    -Então, você costuma invadir pick-ups no seu tempo livre?
    -aaah, ela é sua? -era relativamente fácil ver que ela estava com vergonha do ocorrido.
    -Ta tudo bem hahaha, mas o que você tá fazendo aqui?
    -Bom eu estava caminhando aqui fora e vi que a noite tava linda, ai eu olhei pra lua e ela também tava linda, não sei se você notou, mas é noite de lua cheia, ai eu achei interessante desenhar a lua... Eu to falando muito rápido pra você?
    -Não, sem problemas, eu nem fiquei tão zonzo assim - Novamente ele ganhou um sorriso dela, nem conhecia ela e sabia que era única
   -Desculpa... Ai não tinha onde me apoiar pra desenhar, ai eu vi a caminhonete, e achei que ninguém se importariam se eu sentasse encima.
   -Ta tudo bem, qual o seu nome?
   -Safira, mas meus amigos me chamar só de "Sá"
   -Diferente, e bonito, então quer dizer que você é uma coisa preciosa, pequena e azul? Hahaha
   -Não, isso é um smurf  hahaha
   -Gostei do teu senso de humor
   -Que nada, eu só sou meio doida, e qual o teu nome?
   -Miguel, muito prazer
   -Então você é um anjo?
   -Depende o ponto de vista hahaha, eu tenho uma S10 e não asas
   -Pelo menos em aparência parece que você caiu de lá de cima
   -Minha cara ta tão amassada assim?
   -Hahahaha, não, é porque você é bonito como um
   -Eu mal cheguei e você já ta me assediando?
   -Verdades precisam ser ditas
  Ela fez sinal dando tapinhas ao seu lado
   -Senta um pouco, não vai ficar de pé ai
   -Tudo bem
   -Senta logo
   -Calma calma- Safira tinha um olhar brincalhão e tão simples que era incrível conhecer alguém como ela, Miguel foi se acomodando junto a ela na caçamba- Aliás quem exatamente você é?
   -Sou filha do dono da fazenda, teu patrão imagino
   -Ué, eu não sabia que a Betina tinha irmã
   -A gente é meia irmã, mães diferentes, nasci e fui criada em Uberlândia, mas eu tava fazendo faculdade em São Paulo, só que agora eu to de férias, olha que maravilha haha.
   -Então imagino que você tem uns 19 anos.
   -Exatamente
   -Parece que tem 15 - o que não era mentira, pois tinha porte físico de uma garota bem mais nova, tinha 1.60 no máximo, era magrinha, mas mesmo assim tinha belas curvas
   -Todo mundo diz isso, mas eu já passei da puberdade sim
   Na mesma hora uma brisa fria resolveu dar as caras naquela fazenda, o vento atirou os cabelos da garota no rosto de Miguel, o que fez ele sentir o seu aroma
   -Guria, teu cheiro é uma mistura de côco com avelã, como é possível?
   -Eu uso óleo corporal de côco e shampoo de avelã, e você é muito detalhista, gostei hahaha
   -Eu só gosto de prestar atenção nos detalhes das pessoas que eu acho interessantes
   -Eu sou interessante pra você?
   -Ainda não sei te responder, quem sabe amanhã, tenho que ir na cidade e eu já to atrasado.
   -Tudo bem, até amanhã
  Antes de descer da caminhonete, a garota se despediu com um beijo na bochecha e foi correndo para casa.
   "E lá vamos nós"
  Foi o que Miguel pensou quando entrou na caminhonete, não sabia direito o que tinha acabado de acontecer, sabia que era tarde, mas não conseguia parar de pensar na maldita.

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⏰ Última atualização: May 11, 2021 ⏰

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