"17 de abril de 1957, oito anos."

17 4 4
                                        

Escrevi no meu caderno antes de pegar minha lata com o lanche e sair para a escola. Passei na casa de Dona Raimundinha para chamar as minhas amigas.

– Mas elas já saíram Cora. Já vai dá sete horas.

– Sete horas! – Repeti arregalando os olhos.

Saí correndo às pressas rumo à escola. Passei pela porta botando os bofes pra fora e sentei na minha carteira. A sala já estava cheia de alunos conversando entre si e fazendo barulho como o normal para uma turma do fundamental. Rita e Mocinha ao me verem logo perguntaram o que tinha acontecido, contudo não tive tempo de responder pois a professora já passava pela porta.

Era assim, sempre, o ano todo. Quando as meninas não passavam me chamando era porque eu já estava atrasada, na maioria das vezes porque titia não aceitava que ninguém saísse para escola antes que terminassem suas tarefas. Chegava à escola cansada e com as mãos engiadas da água ou calos.

– Você errou de novo. Aqui dá nove. – Falou Ritinha apontando para a linha no caderno.

– Ah, eu nem tinha visto.

– Você trabalha demais. – Disse Mocinha sentada à nossa frente com as pernas cruzadas.

– Que nem as outras meninas. – Respondi encolhendo os ombros e bocejando.

– Mas você é da família. – Sussurrou ela olhando para os lados, para as outras crianças que brincavam no pátio durante o recreio.

– As outras meninas dizem que trabalham muito quando voltam para o sítio dos seus pais. É normal.

Ela não pareceu satisfeita, nem Rita, que apagou de novo a conta que eu tinha feito.

– Eu ouvi... – Disse Geralda ao chegar com um pulo e sentar com a gente. – e lembrei da história que a professora contou sobre os escravos. A Cora é uma escrava branca!

– Não grite! E eu não sou uma escrava, só tenho que trabalhar.

– Mas desde sempre? Eu ajudo mamãe, mas não chego cansada na escola.

Encolhi os ombros novamente e me lembrei de todas as vezes que choraminguei para poder sair antes de terminar de tecer um punho de rede, mas titia não me deixava levantar do banco. Dei um longo suspiro fechando o caderno e encostei a cabeça no pé de manga olhando para a copa.

– Me dá, eu faço para você. – Ritinha tomou o caderno das minhas mãos e começou a fazer rapidamente as contas.

Geralda levantou e saiu tão rápido como chegou. Mocinha pegou uma mecha do meu cabelo e fez uma trança, depois disse:

– Sabe, a Geralda me fez lembrar de uma coisa. – Abri um dos olhos. – O pai disse que a gente ia poder ir pro forró no sítio dessa vez. Sua tia já disse se ia te levar?

Balancei a cabeça que não.

– Ah, mas ela vai! Aqui está. – Exclamou Rita e em seguida devolveu-me o caderno. – A mamãe deve estar falando com ela agora. A mamãe diz que sempre vai na casa da Dona Antônia no horário que estamos lanchando, então agora ela deve estar dizendo que vai nos levar com ela para a festa do milho e então sua tia vai dizer: ah então eu vou levar a Cora também!

Abri os olhos e sorri.

– Para de dizer tanto "então" Rita. – Resmungou Mocinha pedindo minha fita para amarrar a trança.

Ritinha fez um bico e eu ri delas duas enquanto tirava do bolso minha fita preta.

– Você acha que consegue ficar até lá sem desmanchar essa trança?

Olhei para a trança na mão dela e disse um "não" bem prolongado.

– Se titia for mesmo me levar... essa trança já irá ter se desfeito pois ela vai me pedir para ajudá-la a fazer canjica, pamonha e bolo de milho, e eu vou cair dentro do caldeirão de milho ralado. – Terminei gritando, sem saber se ria ou chorava.

Elas se entreolharam. Olhei para elas e esbugalhei os olhos.

– O que foi?

– Junho é o melhor mês do ano. Eu amo milho. – Gritou Mocinha caindo para trás se apoiando no tronco da árvore.

Rita deu de ombros e se levantou puxando a mim e a irmã.

As Garotas de Abril (Parte 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora