LIVRO V ─ PRÓ E CONTRA

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I ─ NOIVADO

Foi a Senhora Khokhlakova quem recebeu de novo Aliócha, toda azafamada; a crise de Catarina Ivânovna terminara com um desmaio, seguido "dum profundo abatimento. Agora ela delirava, presa da febre. Tinham mandado chamar Herzenstube e as tias. Estas já estavam lá. Esperava ansiosamente, enquanto jazia ela sem sentidos. Ah! se fosse uma febre nervosa!"

Assim dizendo, tinha a boa senhora o ar sério e inquieto. "É sério, desta vez, é sério", acrescentava ela a cada palavra, como se tudo quanto lhe acontecera até então não contasse. Aliócha escutava-a com pesar. Quis contar-lhe sua aventura, ela, porém, interrompeu-o às primeiras palavras; não tinha tempo, rogou-lhe que fizesse companhia a Lisa, enquanto a esperasse.

— Lisa, meu caro Alieksiéi Fiódorovitch — cochichou-lhe quase ao ouvido —, Lisa espantou-me ainda há pouco, mas também enterneceu-me, por isso meu coração tudo lhe perdoa. Imagine que logo depois de sua saída revelou sincero pesar por ter zombado de você ontem e hoje. Mas não eram zombarias, ela brincava simplesmente. Quase chorava, o que me surpreendeu. Jamais antes se arrependia seriamente de suas zombarias a meu respeito, eram meras brincadeiras. Acontece-lhe a cada instante rir de mim. Mas agora, é sério, faz grande caso de sua opinião, Alieksiéi Fiódorovitch; se for possível, poupe-a, não lhe guarde rancor. Eu mesma só faço poupá-la, porque ela é tão inteligente, acredita-o? Dizia ela ainda há pouco que você era seu amigo de infância, "o mais sério", imagine essa amizade séria; e eu, então? A este respeito tem sentimentos bastante sérios e até mesmo recordações, sobretudo essas frases, essas pequenas palavras, que brotam quando menos se espera. Recentemente, a propósito de um pinheiro, por exemplo. Havia um pinheiro em nosso jardim, quando ela era bem pequena, talvez exista ainda e não tenho razão de falar no passado. Os pinheiros não são como as pessoas, ficam muito tempo sem mudar, Alieksiéi Fiódorovitch. "Mamãe", disse ela, "lembro-me daquele pinheiro como em sonho. " Deve ter-se exprimido doutra forma; há aqui uma confusão; pinheiro é uma palavra tão boba... Em todo o caso, disseme a esse respeito algo de original, que não atino repetir. Aliás, esqueci tudo. Pois bem, até logo, estou toda emocionada, é de perder a cabeça. Alieksiéi Fiódorovitch, estive louca duas vezes e curaram-me. Vá ver Lisa. Reconforte-a como você sabe tão bem fazer. Lisa — gritou ela, aproximando-se da porta —, trago-te tua vítima, Alieksiéi Fiódorovitch, que não está absolutamente zangado, asseguro-te; pelo contrário, admirase de que hajas podido acreditar em tal.

Merci, maman. Entre, Alieksiéi Fiódorovitch.

Aliócha entrou. Lisa olhou-o com um olhar confuso e corou até as orelhas. Parecia envergonhada e, como se faz em semelhantes casos, pôsse a falar com rapidez a respeito de coisa bem diversa, fingindo interessarse por isso exclusivamente.

— Mamãe acaba de contar-me, Alieksiéi Fiódorovitch, a história daqueles 200 rublos e de sua missão... junto àquele pobre oficial... descreveu-me aquela cena atroz, como o insultaram e, sabe, muito embora mamãe conte muito mal... duma maneira desconchavada... derramei lágrimas ao ouvir aquilo. Pois bem! entregou-lhe você o tal dinheiro e como aquele desgraçado...

— Justamente não lho entreguei. É uma história muito longa — respondeu Aliócha, parecendo, por seu lado, sobretudo preocupado com aquele caso; no entanto, notava Lisa que também ele desviava a vista e tinha visivelmente o espírito em outra parte. Aliócha sentou-se e começou sua narrativa; desde as primeiras palavras, seu constrangimento desapareceu por completo e cativou por sua vez Lisa. Falava sob a influência da emoção e da viva impressão que sentira ainda há pouco, duma maneira interessante e pormenorizada. Já em Moscou, quando Lisa era ainda menina, gostava ele de visitá-la, quer para contar uma aventura recente, uma leitura que o impressionara, quer para lembrar um episódio de sua infância. Por vezes devaneavam juntos e compunham os dois verdadeiras novelas, na maior parte das vezes alegres e cômicas. Agora reviviam essas recordações, velhas de dois anos. Lisa ficou vivamente emocionada pela narrativa dele. Aliócha pintou-lhe com calor Iliúchka. Depois que descreveu com detalhes a cena em que o infeliz havia pisoteado o dinheiro, Lisa juntou as mãos e não pôde impedir-se de exclamar:

Os irmãos Karamazov (1880)Onde histórias criam vida. Descubra agora