Capítulo 1

55 16 2
                                    

COLE

Seguro a porta para minha filha enquanto descemos do elevador. Nosso destino é a feira de verduras estabelecida semanalmente em frente ao nosso prédio, mais uma das coisas de que estou gostando neste bairro.

Nos mudamos há pouco tempo. É uma região segura, familiar, a localização me agrada muito. Estamos bem perto da minha unidade de trabalho e da escola de Ana.

— Boa tarde, senhor porteiro — a pequena diz gentilmente ao passar pelo hall de entrada.

— Boa tarde, menina Elsa — ele responde de imediato.

Tenho de guardar o sorriso.

Porcaria, ela fez de novo.

Dou a ele um aceno de cabeça em
cumprimento. A criança caminha alegremente pela portaria, como se Elsa fosse realmente seu nome.Eu deveria me preocupar, a psicóloga que a escola recomendou diz que não posso incentivar este comportamento, mas a verdade é que a pequena me
tem enrolado entre os seus dedinhos, não consigo convencê-la a parar.

Ana Carolina, a espertinha, me domina.Relutantemente, devo admitir.

Minha vida se transformou em um mundo cor-de-rosa, literalmente. Bonecas e DVDs de princesas estão espalhados por todo o canto. Aliás,
sua obsessão por princesas é assustadora. Marieta, a babá que cuida dela desde o acidente, me diz que é uma fase normal, que suas filhas – hoje criadas – já passaram por isto, mas, porra, decorei as musiquinhas de todos aqueles desenhos animados.Às vezes, me pego cantarolando no trabalho. Até mesmo os caras do batalhão estão contaminados.

Ana faz isso com as pessoas. Dia desses, Eva disse ter lido em algum lugar que “Ana Carolina” significa “graciosa mulher do povo”… Começo a acreditar que isto pode ter algum sentindo. Minha pequena encanta por onde passa.

— Ana, espere — aviso, antes que ela suma de minhas vistas.

Ela me olha por cima do ombro.

— Tá bom, papai! — doce como açúcar, é uma pena que eu conheço a espertinha muito bem.

Tirei o dia de folga do trabalho para ficar com ela. Marieta foi para a casa da filha. Minha irmã tinha um compromisso de trabalho, e nossa mãe está passando a semana numa viagem com“colegas da terceira-idade”,como ela gosta de
chamar. Pela animação da pequena, acho que ela gostou muito da ideia de um dia só nosso.

A verdade é que a menina raramente está de mau humor. Nunca reclama de nada. De manhã, Ana já coloca a prótese sozinha e escolhe a sua própria roupa – usualmente, vestidos floridos, que tem de combinar com os sapatos.

Sou um cara de muita sorte por ser pai dela.

LILI


Orgânicos, firmes e bem vermelhinhos.Seleciono a dedo cada fruta, uma a uma, e as coloco no saquinho, sob o olhar disfarçado de Camila.

— Você sabia que o tomate tem substâncias que estimulam o…

— Colágeno — ela complementa, rindo.Sorrio, satisfeita.

— Exatamente — pego outro e verifico a qualidade antes de juntá-lo aos demais— Agora pode não ter importância para você, mas espere até chegar ao final dos vinte. Tudo muda.

Bem, talvez um pouco mais.

— Você está ótima,Lili. Se, ao final dos vinte, eu estiver assim, vou procurar emprego numa agência de modelos.

Suspiro.

— Meus peitos estão caindo,Cami. O tomate vai mantê-los em pé.

— Oi, moça!

Essa vozinha familiar…

Interrompo o movimento de avaliar outro tomate, momentaneamente congelada. Não pode ser quem estou pensando que é.

Camila  e eu nos viramos ao mesmo tempo,lentamente… para encontrar ela. De novo. A menininha de nome diferente, que invadiu meu apartamento há poucos dias.

— Oi — ela repete o cumprimento,
balançando o pezinho para frente, na borda do vestido florido rodado.

Subo meu olhar de sua perninha e encontro o rosto expressivo fixado em mim. A menininha tem um par de olhos enormes, brilhantes, e me encara com um ar de expectativa muito desconcertante.Não consigo abrir a boca. Cheguei a acreditar que
sua aparição em casa tivesse sido apenas imaginação minha, visto meu histórico com este assunto.

— Sou eu, princesa Aurora! — o tom
vibrante é impressionantemente como o de uma antiga amiga se fazendo lembrar.

Sim, eu sei, é a Princesa Aur… Ei, mas esse nome…?

— Princesa Aurora? — confirmo, para ter certeza de que ouvi direito.

Na surpresa, acabo me atrapalhando com o caminho errado que a saliva tomou. Enquanto tusso,Cami olha da criança para mim, e de mim para ela, curiosa. Então corta os poucos passos de distância entre nós e se ajoelha diante da menina.

— Oi, Princesa Aurora. Eu sou a Camila  — se apresenta em seu tom suave, amável, como ela é.

— Oi,Camila— a criança responde de modo simpático e volta sua atenção a mim — Você não se lembra de mim? Sou eu, a Princes… — de repente, seu olhar cai para o saco plástico cheio em minhas mãos — Isto aí é tomate?

Ela mentiu o nome para mim e me olha assim, com toda a candura?!

Não acredito!Que malandrinha!

— Sim, são tomates. Seu pai também não pode comprar? — como os meus batons!

COLE


Pago a compra de verduras ao vendedor e,por uma fração de segundos, quando me dou conta,Ana já não está ao meu lado.

Eu deveria ter desconfiado do silêncio repentino. Olho em volta e
de longe a vejo tagarelar com duas moças, uma delas de cabelos escuros, magra, e a outra… uma
loira de muito boa aparência.

Caminho até elas e vejo que a morena se ajoelha para ficar da altura de Ana, enquanto a loira olha para minha filha com o cenho franzido,desconfiada.

Nenhuma delas nota eu me aproximar.Algo que Ana diz faz com que a loira tussa alto, surpresa, o que só aguça minha curiosidade.

De repente estou mais interessado do que deveria.

Chego a tempo de escutá-las:

— Sim, são tomates. Seu pai também não pode comprar? — a loira diz num tom de acusação até engraçado.

Tenho a sensação de que Ana já conhece a mulher.Paro atrás de minha filha.

— Na verdade, eu posso — interrompo-as com meu melhor olhar sério, mesmo com a vontade de rir de seu estranho questionamento.

A morena se surpreende com a minha chegada. Percebo-a subir seus olhos por mim, avaliando-me até encontrar meu rosto.

Tomo meu tempo para analisar a loira. De perto, ela é ainda mais bonita: lábios espessos de um vermelho natural; o cabelo em ondas suaves,bagunçado, espalhado pelos ombros; olhos de um azul profundo, afiado, audacioso. A visão completa é… muito boa.

E tenho sua atenção. Ciente disso, sinto uma necessidade esquisita de provocá-la. Deixo meu.olhar vagar sobre seu corpo, em análise.

Percebendo, seus olhos se estreitam, desafiadores.

— Papai, podemos levar tomates?Minha amiga — Ana aponta para a loira — disse que os tomates deixam o peito em pé.

Como é?

A morena se levanta e a loira volta a tossir, embaraçada, afogando-se com a própria saliva. Por alguma razão desconhecida, seu constrangimento
me agrada.

Sorrio preguiçosamente e pouso meus olhos em seu decote por alguns instantes.

— Sua amiga não precisa disso, filha—assisto, agraciado, ao rosto da mulher corar.

Satisfeito, volto minha atenção à pequena arteira —O que eu disse sobre se distanciar de mim?

Ana dá um de seus suspiros profundos que facilmente consegue me dobrar.

— Desculpe, papai.

Não gosto da ideia de perder a minha filha de vista… A última vez que me descuidei resultou em uma de suas pernas arrancada fora num acidente
estúpido. Dificilmente me perdoarei algum dia por isso.Com um último olhar para as  mulheres –permanecendo dois ou três segundo mais na loira intrigante – e um leve aceno em sinal de despedida,aceito a mãozinha que Ana oferece e caminho de volta para o prédio.

O rosto desconcertante da loira bonita ainda brinca em minha cabeça.

— Quem são aquelas moças, filha? — merda, eu nem deveria querer saber.

— São minhas amigas, papai. Elas são nossas vizinhas e também gostam muito de batom.

Vizinha, hein…

🦋

a Ana é a melhor personagem dessa fic, sim!

Votem e comentem :)

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 08, 2021 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Luz da manhã | adaptação sprousehart Onde histórias criam vida. Descubra agora