Tudo por você

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O sorriso constante no rosto escondia as marcas recorrentes da dura rotina. O cabo da vassoura era a ferramenta diária, as mãos ainda jovens, após tantos calos, tornaram-se mais grossas e resistentes. A vida nunca foi fácil, os sonhos, um dia viajantes sem limites, represaram-se à realidade da mãe solteira sem recursos. Acordou e prendeu os volumosos cabelos crespos, sua pele negra brilhava como nunca. Sozinha, despertava antes do sol, mais uma manhã, pronta para carregar, outra vez, o peso do mundo em suas costas.

A creche municipal está fechada. Outra greve. Regina segurou seu menino pela mão e o levou ao local de trabalho, não havia escolha. 

Leo se acomodou discretamente no canto da cozinha, tamborilava os pequenos dedos sobre as coxas enquanto a mais velha lustrava a superfície de granito da copa.

— Que é isso aqui? — O corpulento patrão cruzou a entrada da cozinha, seus passos duros e pesados sobre o piso traziam consigo um clima de constante conflito. Seu Tavares pertencia à classe média alta emergente brasileira, empresário do setor calçadista, bem sucedido, mas seu ego e arrogância ultrapassavam, e muito, seus números na conta bancária. — O que esse menino tá fazendo na minha casa?

— Desculpe, seu Tavares. — Regina reduzia sempre sua postura diante daquele homem. Encolheu os ombros e curvou o rosto. — A creche fechou, não tinha onde deixar…

— Tem desculpa não, Regina! — Ele a cortou enquanto estendia a mão em direção ao balcão das frutas e abocanhava uma maçã. — Minha casa não é creche. — Se aproximou da mulher, erguendo ainda mais a sua postura. — Olha, se esse moleque mexer ou quebrar alguma coisa… você sabe que eu acabo com a sua vida né?

O garoto observava a humilhante cena em silêncio. Viu sua mãe mais uma vez diminuída e calada, não entendia o porquê dela passar por aquilo e continuar ali, todos os dias. Leo se acostumou muito cedo com o ódio, um sentimento novo e intenso que se apoderou de si.

Quando o homem finalmente se retirou, a mulher desabou, caminhando pelo canto oposto do cômodo e se esvaziando em lágrimas. Após uns instantes, levantou-se e se aproximou de Leo, sorrindo.

— Você fica aqui, quieto. Tá bom? — Ela arregalou seus olhos marejados enquanto movia os lábios trêmulos. — Senão vai dar problema pra mamãe.

O garoto obedeceu e permaneceu imóvel. Não entendia porque ela suportava tanto. No mundo tudo era imenso aos seus olhos, sabia que por mais que crescesse nunca seria tão forte quanto ela.

TREZE ANOS DEPOIS

O sol estava tímido naquela manhã nebulosa. Leo fez questão de carregar as bolsas da mãe, dando certo alívio à mulher no caminho para o serviço.

— Não to acreditando que meu menino tá fazendo 18 anos. — Regina agarrou o braço esquerdo do filho. — Tempo voou. Pra mim ainda é um bebê, sempre vai ser.

Foi inevitável para Leo ter um pequeno vislumbre do passado, dos tempos de criança remelenta, sentado na frente de um espelho velho enquanto sua mãe cortava seus cabelos, sempre o deixava quase careca, sorriu sozinho. Sempre que voltava no tempo via infinitos momentos, em todos eles ela estava lá, cuidando.

— Agora sou um homem, mãe. — Leo afagou a mão da progenitora. — Vou trabalhar e cuidar da senhora, não vai precisar mais trabalhar pra aquele cuzão...

— Não fale assim do senhor Tavares.

— Ela trata a senhora como um lixo, como pode ainda defender esse sujeito? — soltou o braço da mãe.

— Querendo ou não foi com esse serviço que eu criei você e sustento até hoje.

Ainda falavam quando chegaram à entrada do condomínio, Leo se despediu da mãe com um beijo em sua testa. Entregava as bolsas à mesma quando seu patrão cruzou a portaria em direção ao exterior para sua caminhada matinal, dando de cara com os dois na calçada.

Contos para se emocionar: porque amor de mãe é infinitoOnde histórias criam vida. Descubra agora