prólogo

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"Sempre pensei que o amor começava com um primeiro olhar, mas acabei descobrindo que ele começa quando quer... No seu próprio tempo... "

Meu nome é Rosemary Müller, mas é claro que não consegui fugir de Rose.
Minha história não é tão espetacular ou tão memorável; talvez seja até bem comum e você já deva ter ouvido falar de outras tantas assim. Mas ela foi muito importante, pelo menos para mim.

Tudo começou numa manhã chuvosa; como qualquer outra das muitas que se apresentavam entre os meses de outubro e janeiro em Lisboa.
A temperatura estava por volta dos quatorze graus, mas a sensação era de menos zero, pelo menos para mim que nasci no Rio de janeiro.

Aquele era o terceiro ano na faculdade de medicina, e, eu e meus amigos procurávamos há tempos um novo lugar para mudarmos um pouco o sabor já tão comum para nós do café  do seu Jonas.

E naquele dia seis de janeiro de mil novecentos e noventa e quatro, entramos no Silver Café.
Luiza, como sempre a mais apressadinha, entrou de uma vez e logo procurou uma mesa. 
Karol e Arthur, sempre de mãos dadas entraram em seguida. E eu parei à porta por um momento para limpar meus óculos fundo de garrafa, que já estavam totalmente embassados pela água da chuva.
Depois que os limpei pude  notar  os tapetes quadriculados que nunca mais consegui tirar da mente, foi a primeira coisa que vi ali.

Um grande balcão de mármore separava a cozinha do largo salão, que mantinha uma única fileira de cadeiras vermelhas, mas que ladeavam toda extensão da parede, que até a metade era feita de tijolinhos amarelos, e do meio para cima era de vidro, o que nos dava ampla visão lá fora enquanto tomávamos nossos cafés. As cadeiras eram feitas em pares e voltadas umas para as outras, com uma mesa preta cravada entre elas, e acima de todas as mesas, um lustre quadrado iluminava somente o necessário para que não ficasse tão escuro. Junto ao balcão de mármore, bancos altos com detalhes cromados estavam fixos ao chão.

Além dos tapetes, todos aqueles detalhes ficariam cravados na minha memória, pois incontáveis foram os dias que passei ali.

Você pode estar pensando: então era um excelente lugar!

Na verdade não era dos melhores.  Era um lugar modesto, com certo charme provinciano, mas não muito aquém de nossas posses, que no final das contas era o que importava.
Mas o real motivo que me fez voltar ali por muito tempo não foi o lugar em si, mas ele... Fernando.

Nos primeiros dias era bem comum vê-lo ali. Sempre sentado com seu sobretudo marrom esfarrapado, calça social azul marinho, camisa gola polo vermelha e pantufas pretas. Você não ouviu errado, eram pantufas mesmo!
Para quem o via pela primeira vez não passava de um mendigo que o dono deixou entrar para fazer uma boa ação.

Vez ou outra eu e meus amigos mudávamos de mesa para variar, mas não o Fernando, ele sempre escolhia a mesma mesa. Sempre de cabeça baixa escrevendo sem parar em dúzias de guardanapos e com xícaras de café se acumulando no processo.

Nós sempre chegávamos e saíamos, mas ele continuava no mesmo lugar de cabeça baixa escrevendo e escrevendo...

Foi impossível para Luiza não notá-lo desde a primeira vez que chegamos.
Três mesas atrás da nossa lá estava ele; com longos cabelos grisalhos, óculos quase tão fortes quanto os meus, e a mesma roupa de sempre.

A visão daquele homem alto encurvado constantemente sobre aquela mesa me intrigou instantaneamente. Era impossível não notá-lo ali, pois apesar de nunca estar   bem vestido, ele emanava certa imponência, pelo menos para mim.

Luiza, como sempre, tratou logo de fazer alguma piadinha infame.

Sempre gostei da Paulista, mas não era segredo para ninguém que ela era muito esnobe por conta da abastada situação financeira da sua família. E,  em contraponto a isso, Karol , Artur e eu, éramos o que se podia chamar de ralé.

Meus pais haviam feito um grande empréstimo para que eu estudasse na Europa, e se eu não conseguisse me formar, eles arcariam sozinhos com a dívida pelo resto da vida. Karol e Arthur não tinham situação tão diferente da minha, mas também estavam longe de serem Almeida Prado, que era o caso da Luiza. Contudo, ela não era má pessoa, apenas fora criada de uma forma que cresceu achando poder tratar as pessoas da forma que quisesse. Mas essa não era a grande verdade do mundo, e o próprio mundo acabaria por ensiná-la a respeitar aqueles menos favorecidos. Mas isso é história para outro momento, o que importa  dizer agora é que por muitos dias ela apenas ficou na zombaria. Zombava da calça do Fernando, do sobretudo esfarrapado, dos cabelos desgrenhados, e principalmente das pantufas.

Uma vez ela chegou a dar altas gargalhadas dentro do café enquanto comparava as pantufas pretas com dois animais mortos que ele usava como chinelos.

Nós rimos com certo constrangimento, mas ainda assim rimos, contudo era fato que chegaria o dia em que ela pegaria ainda mais pesado, e esse dia foi nove de fevereiro de mil novecentos e noventa e cinco...

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