Entro no meu quarto como se flutuasse, pelo que me lembro nunca me senti assim, que coisa estranha, estou com algo dentro do peito que me faz querer pular e por algum motivo sorrir, borboletas no estômago também não são comuns para mim. Quando você tem alguma deficiência, ter um vínculo romântico com alguém é quase impossível, pelo menos é o que eu pensava até agora. Não sei bem o que fazer, quanto a isso, esses sintomas são evidentes, já li muito sobre o assunto nos meus livros de romance, mas não sei bem como isso funciona, ainda mais para alguém como eu. Decido ligar para Anne, ela sempre sabe o que fazer quando o assunto é romance; o telefone chama algumas vezes até que ela atende.
— Oi! Feh! — exclama do outro lado, mostrando um sorriso enorme para mim, faço um rápido sinal de "oi" e então vejo que não sei exatamente o que dizer para ela, pergunto como está a adaptação dela em sua nova cidade. — Estou tendo a melhor experiência da minha vida, estou me adaptando muito bem a escola, fiz algumas amizades novas, estou visitando a cidade lentamente devido à falta de tempo, mas é muito linda, estou tão feliz aqui... mas morrendo de saudades de você amiga. — diz fazendo uma cara tristonha. — E você, como está sobrevivendo sem mim? — fico vermelha lembrando-me do motivo da ligação. — Feh, você não ligou apenas para perguntar como está tudo aqui, te conheço bem, tem algo a mais. — declara me deixando mais nervosa ainda, começo então a contar para ela sobre os acontecimentos recentes. — Uau, Felicity Jones apaixonada? O mundo vai acabar minha gente. — narra ela, aliviando um pouco a tensão e me fazendo rir com ela. "O que faço agora?" pergunto agitada. — Seja você mesma amiga, se o cara não gostar, quem liga? — "Eu ligo" gesticulo para ela, que ignora o comentário e continua. — Existem muitos outros por aí, matando para trocar uma palavra com a senhorita Jones. — "Pena que não podem" digo, fazendo-a revirar os olhos. — Você entendeu. — eu com certeza entendi, "Mas como chego nele?" indago. — Você tem que se aproximar lentamente, deixe-o mostrar interesse primeiro, o resto se resolve a medida que as coisas vão se desenrolando. — penso no episódio da biblioteca... talvez eu o encontre mais vezes lá, sem contar que frequentamos algumas aulas juntos, ou seja, já sei que vou vê-lo mais vezes pela escola. Agradeço Anne, e desligo o telefone.
Começo a procurar uma agenda decorada que comprei em uma papelaria, mas não sabia para que usaria, decido andar sempre com ela, assim posso facilitar a comunicação entre mim e Miles, pego uma caneta e coloco no meio dela. Pronto, "operação conquistar o primeiro cara que cheguei a gostar", começou. Nossa que nome grande, acho melhor "operação conquistando Miles." Soa um tanto infantil... acho melhor desistir dessa ideia, é uma loucura, acabei de conhecer o garoto, nem sei nada sobre ele, mas é por este motivo que estou fazendo tudo isso, preciso conhecer o Miles.
Decido continuar com o plano, mais que um "não" eu não vou receber. Talvez Miles nunca mais troque uma palavra comigo, mas estou acostumada a isso, muita gente não sabe o que falar para pessoas que contenham qualquer tipo de deficiência, então geralmente as ignoram.
No dia seguinte entro na biblioteca um pouco receosa, sento em uma cadeira qualquer e abro o livro, mas ao invés de ler, começo a concluir que não devo estar batendo bem da cabeça, desde quando comecei a pensar com o coração ao invés de com o cérebro?Alguém se aproxima e puxa uma cadeira ao meu lado me tirando dos meus devaneios, primeiro abro um sorriso pensando que possa ser Miles, mas, na verdade, é uma garota que já vi antes na escola, na verdade, muitas vezes ela e sua prole estão em todo lugar, procurando presas fáceis para poderem humilhar.
— Olá, Felicity. — ela vê que não respondo, então sorri maliciosamente. — Algum gato comeu sua língua? — reviro meus olhos, começando a levantar da cadeira quando ela segura meu braço com força e crava suas unhas vermelhas no mesmo, se eu pudesse soltar um gemido de dor com certeza o teria feito. Olho desesperada para os lados tentando ver alguém familiar que possa me ajudar, a garota a minha frente aperta mais ainda as unhas no meu braço, até que alguém segura seu pulso a fazendo soltar subitamente o meu. A garota olha assustada e envergonhada para a pessoa que está atrás de mim.
— A deixe em paz, Suzane. — pede a voz aveludada, que reconheço na hora, ao passar dos anos aprendi a "colecionar" vozes, as decoro e guardo bem guardado no meu subconsciente, mesmo que as tenho ouvido apenas uma vez, ainda assim lembro-me de cada uma direitinho. E essa é a melodiosa voz de Miles, que acaba de me salvar da loira extremamente maquiada a minha frente.
— M-miles eu... — ela começa a tentar se explicar, mas o garoto dispensa suas palavras com um gesto de desdém, ele pega na minha mão me levando para longe dela, paramos nas últimas prateleiras da biblioteca, onde raramente alguém costuma ir. Ele se apoia em uma prateleira e suspira passando a mão no rosto.
— Me desculpe Felicity, pensei que após anos, Suzane me deixaria um pouco em paz. — então uma lembrança me atinge, Miles Rênce, nosso antigo colega de classe, já foi paixão de Suzie e meio que aquele meu amor de infância também. Sorrio sabendo que desde que nos vimos na sala ele me reconheceu, com gestos digo.
"Você já tinha me reconhecido e nada disse, por quê?"
— Eu queria testar sua memória. — responde dando um sorriso divertido, ele me puxa para um abraço. — Vejo que ainda tenta procurar uma explicação para tudo, senhorita Jones. — "É o que faço de melhor." gesticulo sabendo agora que ele entende tudo que digo em libras. Então de repente eu me lembro de algo e pergunto-lhe "O que você faz aqui?" seguido de "Você não fora em bora devido ao trabalho de seus pais?" ele senta no chão da biblioteca indicando o lugar ao seu lado para eu fazer o mesmo, e então o garoto começa a responder minhas perguntas.
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Palavras nunca ditas
Storie brevi* Conto completo. * "E se você nunca pudesse dizer o que sente ou pensa, às pessoas ao seu redor?" Felicity Jones nasceu com afonia, mas viver sobre cuidados extremos de sua família foi o real motivo de não aprender...