PRÓLOGO

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O corvo alçava voo e por trás de suas asas pretas era possível observar a sacada do quarto dele, o segundo filho do Rei de Balmore – dormia tranquilamente depois de uma noite de festa, ainda alcoolizado entre os lençóis de seda fina que forravam aquela cama enorme. – Seu rosto de perfil realçava os traços finos, quase como um conforto visual para esconder a crueldade com que foi esculpido. A ponta arrebitada de seu nariz apontava para o teto do quarto, todas as paredes com detalhes de ouro e pedras preciosas – tons de vermelho, dourado e preto se mesclavam entre sofás, almofadas e cortinas por todo aquele castelo, quase todos os cômodos eram iguais.... iguais a milênios. – Dentro das muralhas de Balmore não há espaço para personalidade. Quase como uma tradição o príncipe Heeseung existe apenas nas sombras de seu irmão mais velho que será o próximo Rei, a relação entre Hyeon e Heeseung nunca foi boa. O mais velho sempre soube que qualquer criança nascida depois dele é apenas um serviçal ou concorrente querendo usurpar o seu título.
      Já virou um costume o segundo filho virar Rei, os Balmorianos são conhecidos como traidores e sorrateiros – para Hyeon seu irmão é mais que um rival, é a pessoa que mais o quer morto entre todos os países do mundo. – Tal acontecimento não vai fugir do comum se pelo destino vier a tornar-se real, no entanto, para Heeseung como nunca antes para um segundo filho, tornar-se rei é impossível – Abertamente o Rei Duri deixa entendível o seu apreço e favorecimento com seu primogênito, a própria população balmoriana idolatra seu futuro rei na mesma medida que abomina a existência de Heeseung. A dinastia da casa Lee se perpetuou marcando a história como a família que mais passou tempo no poder sem nenhuma ameaça interna. É no que todos acreditam.
        Depois da grande guerra e a expulsão da casa Kim das terras de Balmore, formando um país vizinho com diversos inimigos – mais um país para odiá-los– a dinastia da casa Lee passou a ser absoluta e incontestável. Mas, expulsar os Kim das terras Balmorianos custou um preço muito alto, depois da escravização de tantos povos para servir a fome compulsiva da família real. Um líder do povo, Min Hwan – de um clã muito influente daquela época – se rebelou e tomou um pedaço do país de Balmore para si, eles eram muito mais diplomáticos com os navegantes vindos de outros países, e logo o novo país cresceu colonizando terras ignoradas pelos Lee, Torrance é hoje o porto mais importante deste lado do mundo. Não foi apenas Torrance que cresceu nos últimos séculos, Sinan atualmente é uma nação desenvolvida, mas ainda incapaz de contestar Balmore – o ódio dos Kim permanece intocável mesmo depois de tanto tempo – e os balmorianos seguem presos entre os dois países que odeiam o Rei Duri e tudo que o clã Lee representa.
– Bom dia vossa alteza real. – Disse a serviçal já abrindo as cortinas do quarto de Heeseung. – Agora não, Bartha. – Respondeu com um tom rouco e sonolento. – Mas, senhor, sua majestade deseja vê-lo imediatamente. – Na mesma hora os olhos cansados de Heeseung se arregalaram e ele logo se sentou na cama, sua blusa branca tinha umas manchas vermelhas e os botões estavam descosturados. Ele esforçava a mente para tentar se lembrar como chegou até o quarto. – Eu fiz algo muito ruim? – Heeseung perguntou se levantando e tirando a camisa na frente da arrumadeira.
       Ela ficou um tempo encarando a cicatriz em seu peito, mas o que mais chamou sua atenção não foi a marca, e sim um colar enorme com uma pedra avermelhada de painita, ela nunca havia visto algo tão raro em sua vida – Você é muda? – questionou Heeseung facilmente irritável, o príncipe fazia jus a sua impopularidade, e até mesmo Bartha que era uma criada pessoal dele era tratada de forma estúpida.
– Desculpe, meu senhor, eu não sei como responder sua pergunta. – Disse Bartha abaixando a cabeça como uma forma de respeito.
– Não adianta querer torturar os empregados, se nem mesmo você sabe das coisas que faz, Heeseung. – Era uma voz feminina carregando muito sarcasmo. Quando Heeseung foi se virando a primeira coisa que notou foi sua mão encostada na porta aberta, um enorme anel de diamante vermelho representando a casa Lee em seu dedo fino e pálido. – Você não tem coisas para fazer.... não sei, ir escolher cortina ou talher, Heejin? – Como normalmente fazia Heeseung era ácido pouco importava com quem falava e até mesmo o seu "bom humor" era acompanhado de farpas. – Talvez eu pudesse me concentrar nas minhas próprias atividades se você fizesse o mínimo que é pedido a você. Deve ser reconfortante para um homem na sua idade precisar que a irmã mais nova venha buscá-lo.– Heeseung deu um sorriso maquiavélico e aproximou-se dela, Bartha no canto do quarto ainda um pouco curvada não teria para onde correr se precisasse sair. – Vá na frente. – Respondeu Heeseung.

       Sua irmã estava ali para cumprir a tarefa que lhe foi designada, mesmo que isso significasse levar um príncipe vestindo apenas a parte de baixo por todo o castelo real. Os quadros dos membros do clã Lee estavam espalhados por todos os corredores, do primeiro membro até os atuais. E enquanto Heejin parecia apreciar a companhia das pinturas, Heeseung fazia de tudo para ignorar que elas estavam ali. Ninguém nos corredores parecia abismado ou incrédulo que sua alteza real andava descoberto, não era a primeira vez – muito menos a mais deplorável – em que viam Heeseung agir de forma inapropriada para um membro da família real. Diante das portas enormes e cheias de detalhes cravados na madeira, os guardas estavam prestes a anunciar a entrada dos dois na sala do trono. A face de Heeseung demonstrava que ele era indiferente a tudo aquilo, mas seu consciente estava apreensivo.
– Vossas altezas reais o príncipe Heeseung e a princesa Heejin, vossas majestades. -Disse o guarda e logo depois olhou para Heeseung, ele sentiu o gosto daquele desprezo amargurar o seu paladar.
       Heejin entrou primeiro na sala e fez sua saudação aos seus pais, imediatamente ela voltou o olhar a Heeseung que permanecia parado ainda do outro lado da porta. Sua presença foi anunciada e seguindo os protocolos que aprendeu desde o momento em que nasceu, ele deve entrar e se curvar. Quando colocou seus pés naquela sala e passou da cobertura das portas até que todos o vissem, já conseguia ouvir os cochichos de seus irmãos mais novos. – Mas, o que é isso? – Perguntou indignada a Rainha. – O que você pensa que está fazendo, seu insolente? Isso é um absurdo. Você pode agir assim e andar como já faz fora dos salões reais. Você não pode ver o Rei e Rainha desta forma inapropriada. – A Rainha Hae-won cresceu em palácios e foi educada para um dia se casar com um rei e assumir este posto, o trono em que se senta foi dado a ela ainda antes de seu nascimento. Como a primeira filha do Rei de Milton, ela foi prometida antes do nascimento ao avô de Heeseung para desposar o seu primeiro filho, mas este foi assassinado misteriosamente em uma emboscada e seu lugar foi assumido por seu irmão mais novo Duri, o pai de Heeseung. – Heeseung fez o gesto para seus pais e seu irmão mais velho, seus outros irmãos se curvaram para ele como deve ser feito seguindo a linha de sucessão do trono.
– É sempre um momento assombroso para a história do nosso clã quando Heeseung precisa participar de qualquer coisa formal. – Disse em tom de piada o príncipe Hyeon.
– Deve ser por isso que o destino deu sorte ao clã Lee e colocou você como primogénito, não é mesmo Hyeon. O que seria de Balmore se não fosse a inigualável existência do meu irmão mais velho. Nenhum filho é tão bom quanto o primeiro, não é mesmo mãe, ou devo dizer Rainha Haewon. – Disse Heeseung.
– Você não passa de um fedelho miserável. – Disse baixinho a Rainha.
        O Rei que estava calado a bastante tempo levantou do seu trono e todos os olhos foram parar nele. Ele desceu e caminhou até Heeseung, chegou próximo o olhou de cima a baixo, ficou parado alguns segundos antes de despejar no rosto do jovem um tapa cruel.

BLOOD KINGDOM / LEE HEESEUNG Onde histórias criam vida. Descubra agora