ACAMPAMENTO IV

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Camile havia passado o dia anterior inteiro inquieta. Chegou a pegar o diário por duas mas desistiu de escrever neles após ter rabiscados apenas poucos linhas, todas refletindo as autocríticas que havia compartilhado com Rafael – o médico e amigo que optara por voltar com ela e o guia  Sherpa naquela manhã.

“Sou uma idiota por ter me deixado influenciar por lendas bobas”, “gastei tanto dinheiro para vir até aqui para no último segundo fugir de uma lenda”, “me sinto estúpida por ter desistido”, comentou com Rafael, enquanto o amigo lhe assegurava que ela não tinha porquê ficar se sentindo daquela forma, que eles haviam tomado a melhor decisão indiscutivelmente, senão pela lenda, pelo fato de que teriam que continuar sem o guia oficial e isso seria colocar a vida deles em um perigo a mais – o que era completamente desnecessário naquele lugar.

- Além do mais, dinheiro nenhum no mundo vale a nossa vida, não acha? – Argumentou por fim Rafael.

Ela se calara a partir desse momento, mas era possível perceber em seu comportamento que permanecia perturbada. Só saia da barraca quando estritamente necessário e sempre que o fazia, pelo motivo que fosse, o primeiro e derradeiro ato era olhar para o pico - talvez na esperança de ver seus amigos chegando, talvez arrependida e desejosa de estar lá também, ninguém teria como saber ao certo ao olhar para ela. O que era perceptível era que algo a incomodava sempre que estava a olhar para o local.

Camille havia se recusado a iniciar o processo de adaptação para a descida enquanto Adriano e Dinis não voltassem. Alguns tentaram chama-la a razão, afirmando que tal recusa era desmotivada já que não traria nenhuma interferência real no desfecho da história daqueles que ainda estivessem no pico, todavia ela estava irredutível em sua ideia, alegando ser essa demonstração de amizade o mínimo que poderia fazer por seus amigos. Ninguém parecia compreender a linha de raciocínio daquela mulher, mas ao final acabaram deixando-a em paz para prosseguir como bem desejasse.

Sem ter realmente o que fazer no acampamento pelo resto do dia sem a adaptação para a descida, acabou optando deitar cedo e rapidamente caiu em um sono agitado. Era meio da madrugada quando com um sobressalto foi acordada pelos gritos que ecoavam por todo o acampamento.

***

Os gritos a despertaram em um piscar de olhos e não mais que de repente Camille já se encontrava de pé, do lado de fora da barraca, encaminhando para o aglomerado de gente que estava em uma das áreas de barracas mais próximas ao pé do pico.

- O que está acontecendo? – perguntou ao chegar perto da multidão.

- Estão tentando descobrir se ainda está vivo – foi a resposta que recebeu de uma pessoa que nem mesmo se deu ao trabalho de virar o rosto para ela para responder.

- Quem?  - perguntou com o coração agora em disparada.

- Eu não sei, não conheço – respondeu o homem, que oscilava entre se colocar na ponta do pé para ver acima das cabeças e se abaixar para supostamente descansar a panturrilha, ou tentar ver por um outro ângulo.

Ciente de sua falta de altura e de que de forma alguma seria capaz de ver sobre quem o homem falava caso continuasse naquela posição, começou a empurrar, devagar, as pessoas para chegar mais perto e ver de quem se tratava. Ao ver o corpo estendido no chão levou as mãos à boca e precisou buscar equilíbrio se apoiando em alguém que estava ao lado.

Rafael estava agachado ao lado do corpo, mas como que despertado pela movimentação que havia sido provocada na frente do círculo que os rodeava pela chegada de mais uma pessoa para observar o que acontecia levantou a cabeça. Assim que a reconheceu se colocou na frente e se interpôs entre ela e o corpo o mais rápido que pode, segurando-a pelo ombro, mantendo-a em pé.

Loreen - A Deusa do GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora