Sexta-feira
Bato palmas junto com os demais funcionários para a nova gerente da loja. Estou aqui há três anos, dando meu sangue, vestindo a camisa e agora no final do expediente soubemos que a vaga prometida a mim vai para a Joana, uma moça que trabalha aqui na loja há apenas seis meses. A moça tem carisma e trabalha bem, o problema era que seu Rodrigo, dono dessa loja e de mais três espelhadas pelo nordeste, tinha me prometido essa vaga. E nem posso choramingar para minha melhor amiga, pois Amara saiu cedo da loja para resolver seus problemas. Nunca me senti tão sozinha como hoje.
Me preparo para finalizar o dia na loja, cansada de mais um dia e como não me bastasse a frustação toda de hoje, dentro da mochila o caderno vermelho, diário de escrita, me olha de volta. Um dia, talvez, consiga colocar no mundo uma história que as pessoas gostem de ler. Mas como farei isso se nem sei se sirvo para ser escritora? Tenho nem coragem para tentar colocar um conto no mundo quanto mais ousar viver da minha escrita.
Na calçada da loja observo a nova placa, mesmo nome com um designe diferente: Isis Moda Praia. A loja que trabalho há três anos está de cara nova, mas o trabalho ainda é o mesmo de quando eu comecei, deixar o cliente feliz com sua nova aquisição, cumpria minha missão mas isso não estava me deixando feliz.
Sigo em direção à praia pela rua cheia de lojas igual a que eu trabalho e me reconheço no semblante das atendentes, sei bem como é o alivio de ver o último cliente passar pela porta e ganhar a rua com suas sacolas cheias. Uma mistura de satisfação de dever cumprido com o sabor gostoso de enfim poder ir para casa.
No calçadão da paria sento em um dos bancos de concreto olhando o mar, irritada e com fome. Saí uma hora mais tarde do horário de funcionamento e perdi de ver o pôr do sol sentadinha na areia morna da praia como faço todos os dias. Esse foi um dos motivos de eu ter vindo trabalhar aqui, tudo pelo privilégio de ver o mar sempre que eu quisesse.
Todo esse dia deu errado logo cedo quando Amara, minha louca amiga, saiu mais cedo mesmo sabendo que isso podia ser motivo de demissão, já que ela anda faltando ao trabalho. Acabei tendo que fazer o meu trabalho e o dela, perdi até a hora do meu almoço.
Deixo os ombros caírem reconhecendo meu real problema. Estava mesmo era com inveja de sua coragem. Amara precisava ir no médico para descobrir a causa das suas dores nas costas, mas isso só foi uma desculpa, como eu, ela também tem o sonho de fazer outra coisa, de viver seu sonho ao invés de ficar atrás de um balcão vendo a vida passar. Eu até gosto de trabalhar lá, o problema é que me parece que falta alguma coisa...
Mesmo perdendo a maravilha que é ver a noite chegar tiro da mochila meu caderno de anotações que também faz parte do meu ritual antes de ir para casa. Sempre que venho aqui tenho ótimas ideias para minha história. Abro o caderno vermelho que está chegando ao fim e mais uma vez no dia sinto o desanimo me abater. O caderno cheio de anotações é mais um reflexo do que eu não estou vivendo.
A história esta quase pronta no meu notebook, o caderno é prova disso, cheio de ideias novas e outras que parecem ter uns trocentos anos, e mesmo assim, me falta coragem de publicar o romance que venho escrevendo há quase seis meses. O problema é que parece que não está bom o suficiente. E se as pessoas não gostarem do que eu criei? E se me disserem coisas horríveis? E se tudo isso for só tempo perdido?
Guardo o caderno com raiva na mochila, fecho os olhos e inspiro forte deixando o ar marinho invadir meu corpo e me tranquilizar. Talvez, essa coisa de ser escritora seja apenas um passa tempo. Melhor mesmo é me dedicar a subir de cargo na loja e assim ter mais condições de comprar um carro, isso sim é o que eu preciso de verdade.
— Fernanda, oi.
Tomo um susto olhando para o cara alto ao meu lado com roupa de corrida. Depois de meio segundo eu o reconheço.
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Paixão e Sonho
ContoUm conto para ler e relaxar. Uma paixão surge na vida de Nanda, bem quando, titubeia seguir ou não seu sonho.