Capítulo 2: Preconceito

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Nunca mais eu malho com aquele maluco! Wei Wuxian reclamou mentalmente enquanto subia as escadas para o seu andar. A bolsa de couro transversal, contendo suas coisas de dança e a garrafinha de água, firmemente segura contra seu peito, e a toalha preta em seus ombros, já toda encharcada de suor.

Xue Yang o passou algumas séries de treino para ajudar a aumentar sua composição muscular nas pernas e costas, depois que ambos discutiram o fato de Wuxian ser basicamente um dançarino de elite mas ter a composição corporal tão alterada. Você tá muito magro, moleque, suas articulações vão se sobrecarregar com o tempo. Nada que ele não soubesse, mas a preocupação genuína causava aquela sensação de acolhimento borbulhante.

Não era só atividade, era dieta. Se quisesse melhorar seus músculos precisava melhorar seus hábitos alimentares, e tinha justamente esquecido da porcaria de cartão de crédito em cima da mesa em Yunmeng. O excesso de perda de peso repentina havia prejudicado sua dança em mais de um aspecto, inclusive na tolerância das práticas e no aumento do risco de se machucar.

Inferno.

Abriu a porta das escadas, pisando em seu andar com um suspiro de alívio. O ronco no estômago lhe apontou o fato de que ainda não tinha almoçado, quiçá tomado café da manhã. Como se com o intuito de fazê-lo sentir mais fome, um cheiro de ensopado emanava entre as frestas do dormitório em frente às escadas.

Imediatamente a sensação de pertencimento tornou sua visão nublada com uma memória envelhecida de quando era criança. Sua mãe sempre fazia ensopado de carne porco, com muita pimenta. Uma pequena e alegre versão de si mesmo costumava incomodar a mulher divertida desde o preparo dos ingredientes até o momento da refeição.

Como se pudesse ouvir a risada da mãe e a voz eloquente de seu pai, seus olhos encheram de lágrimas em um lapso emocional. Por sorte, não havia ninguém no corredor que pudesse ver. As pessoas sempre ficam nervosas quando veem um homem chorando, e depois raivosas, porque homens não supostos a chorar.

Não que Wuxian fosse a pessoa mais adepta do mundo aos tradicionalismos de uma geração obsoleta, mas sempre se sentia desconfortável de chorar em público, na iminência de alguém vê-lo vulnerável, era sempre como se alguém fosse colocar um espelho na sua frente e mandá-lo engolir o choro. E ele odiava engolir choro.

Cruzando um braço sobre o estômago, passou a outra mão nos cabelos ralos com a intenção de disfarçar o constrangimento que sentia, por algum motivo. No entanto, antes que saísse completamente do corredor, ouviu novamente o barulho chiado e ínfimo que se assemelhava ao choro de um gatinho novo mas que também lembrava os lamúrios de um bebê recém nascido, ou novo o suficiente pra choramingar tão poucos decibéis.

Curioso, parou em frente a porta de seus quase vizinhos de corredor, erguendo o braço para bater mas desistindo no último momento. De qualquer forma, continuava não sendo de sua conta, nem seu problema, não deveria ficar fazendo suposições assim. Lentamente, deu as costas, seguindo pelo corredor sob a luz amarelada das lâmpadas já envelhecidas.

Droga! Sibilou, escorando o corpo em frente a porta de seu dormitório. Em seu campo de visão começava a aparecer grandes manchas escuras e uniformes, e suas pernas tremiam, aparentando serem fracas demais para suportar a massa de seu corpo.

Com dificuldade abriu a porta, retirando os tênis e deixando ali no solado, as manchas cada vez ocupando mais espaço de sua visão. Sentou-se no chão, logo deitando de costas e erguendo as pernas contra a porta fechada para prevenir que desmaiasse - ambas as pernas timidamente espaçadas com os pés planos na superfície de madeira, o short curto enrugado até a linha de junção entre sua coxa e virilha, as mãos firmes abraçando a bolsa de couro ainda que suando frias, e o rosto pálido igualmente suado, com gotículas escorrendo de suas têmporas.

AFTERGLOW [wwx+lwj]Onde histórias criam vida. Descubra agora