capítulo IV - As badaladas do sino da purificação

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Depois da breve apresentação da estranha mulher que dizia ser sua tia, Emma foi deixada sozinha no quarto.

O lugar era imenso e mal iluminado, dando uma peculiar sensação de que havia algo escondido nas sombras, esperando para se revelar.

Aparentemente a tecnologia da época não havia chegado até Storneville, levando em conta o quarto iluminado por velas negras. Mas Emma suspeitava de que houvesse outra razão para aquilo. Algo muito mais obscuro e menos simplório.

Aterrorizada com a perspectiva do que aquelas mulheres poderiam fazer com ela, a garota passou os braços em volta da sua própria cintura, abraçando a si mesma, e soltou um longo e profundo suspiro, na tentativa vazia e infrutífera de espantar a tensão do corpo.

Emma não entendia o que estava acontecendo naquele momento, e se fosse sincera consigo mesma, admitiria que também não havia compreendido nada dos momentos anteriores.

Aparentemente, ela perdeu todo o bom senso e capacidade de compreensão quando colocou os pés pra fora de Nova York. E a lógica parece ter abandonado sua vida junto deles.

Em um momento ela estava lá, confusa e apreensiva naquela maldita cabana destruída que parecia prestes a desabar sobre sua cabeça, e no outro havia bruxas, lobos enormes e homens sem camisa a cercando. E todos eles pareciam ter um único objetivo em comum: acabar com a sanidade frágil de Emma.

Emma se levantou com dificuldade da cama desnecessariamente alta, e fincou os pés dormentes no chão gelado, amaldiçoando mentalmente o frio do lugar.

Ela caminhou até a ponta da grande cama de dossel e acariciou o tecido macio, encarando fixamente o vermelho vivo que o preenchia. Vermelho sangue, a cor da paixão e da vida, refletida com a iluminação das velas negras como a noite. Um equilíbrio perfeito entre vida e morte, a esperança e a perda.

ㅡ Magnífico... ㅡ Emma sussurou, totalmente fascinada pelas formas e cores que compunham o lugar numa grande obra que poucos eram capazes de admirar. Aquilo era uma grande lembrança de que a morte e a vida caminham de mãos dadas.

ㅡ Vejo que gostou da decoração. ㅡ Emma ouviu uma voz próxima falar num tom divertido, com um pequeno toque de zombaria.

Sobressaltada pelo susto, ela largou o tecido imediatamente e arrumou a coluna, se virando para a porta e assumindo uma posição defensiva.

ㅡ Ora, ora, pequena Emma. Eu não mordo. ㅡ A bruxa falou de forma sedutora e lambeu os lábios carnudos tingidos de vermelho, lançando um olhar penetrante na sua direção.

Emma não se ousou se mecher, e fez o possível para esconder o medo que provavelmente estava escrito nos seus olhos, encarando a mulher, analisando de cima a baixo a ameaça.

Ela era linda. Tinha o tipo de beleza inalcançável, tão magnífica que transmitia perigo. Era uma predadora do tipo mais letal, como uma planta carnívora, belíssima, mas ainda assassina. Era venenosa, mortífera.

Agora, sem o terror a consumindo, vários traços da mulher que antes não eram visíveis ficarem claros a Emma.

A bruxa tinha uma cicatriz pequena e rosada acima da têmpora direita, que era tão minúscula que ela não teria notado se não estivesse focada nos seus traços. Era discreta e imperceptível, ofuscada pela beleza estonteante.

A loira estava sem o capuz de bruxa, e em seu lugar vestia uma camisola fina de algodão que descia até os pés, arrastando no chão de forma que sem o capuz atrapalhando, Emma podia enxergar melhor o azul turquesa e exótico dos seus olhos, que a encaravam atentamente, estudando e analisando cada pequeno movimento seu.

a sociedade do capuz vermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora