O que se fazer quando todas as alternativas parecem ter se exaurido? Quando já jogou todas suas cartas e simplesmente nada funciona? Absolutamente nada parece durar o bastante.
Por isso decidi dar uma volta, tentar tirar a mente dos problemas mais imediatos, talvez assim, algo que tenha ignorado antes possa vir a aparecer. Essa, pelo menos, é a minha esperança. Por isso faço essas caminhadas pela manhã, sempre no mesmo lugar. Um canto da cidade longe do centro movimentado, onde as pessoas mais parecem autômatos, desprovidas de vida e inspiração.
É nessa floresta intocada em meio à civilização sempre crescente que procuro encontrar alguma paz e trazer luz aos meus problemas. Não que isso tenha sido muito útil recentemente, mas pelo menos posso enxergar que meus problemas são de pouca importância, e que o mundo é muito maior que umas contas atrasadas, uma família pra cuidar ou qualquer coisa que me diga respeito.
É um Éden em meio à solidão de pedra. A vida em seu estado mais puro. Pequenos animais correndo livres, sons de pássaros, o correr das águas de uma cachoeira qualquer. A tranquilidade que só a perfeição da natureza pode ter. Tão colossal, exuberante, equilibrada. Quanto mais caminho por aqui, mais sinto minha mente desanuviar. Os pequenos macacos pulando de galho em galho, os belíssimos pássaros, que nos agraciam com seus cantos sublimes e suas complexas penugens, uma exibição inefável de cores e sons. Impossível não sentir-se mais leve ao contemplar tamanha grandiosidade. Enquanto as pessoas se matam aos montes, roubam, mentem, a natureza simplesmente existe, alheia à tudo isso.
Mas não posso me ater a esses detalhes por muito tempo. Enquanto caminhava em direção ao meu paraíso, o Mirante Dona Marta, um dos lugares mais bonitos e com melhor vista da cidade, todo tipo de pensamento se passava pela minha cabeça. Havia feito mais entrevistas de emprego sem sucesso, e as economias ainda estavam muito boas, o que me permitiria viver confortavelmente por mais uns meses sem me preocupar. Mas o ócio estava me fazendo ter tempo demais para pensar nos problemas de sempre, e isso não era um bom indício. Já havia passado do Morro dos Prazeres, o que significava que dali em diante a natureza era muito mais presente, não se sentia mais tanto a civilização fervilhante lá debaixo. E isso era um bom e mau sinal.
Eu sempre preferi estar só, facilita e muito a reflexão. Mas nem tudo são flores. Percebi que, ao longe, uma moto vinha em minha direção, bem distante, com dois caras, seus rostos impossíveis de reconhecer. Só podia esperar pelo inevitável. Quando chegaram perto, o passageiro saltou e sacou uma faquinha ridícula e ameaçou me matar se não desse o que tinha de valor. Segurei uma risada, mas deixei ele me revistar e ver que eu não tinha nada. Se ele conseguisse achar alguma coisa, eu ficaria feliz com a notícia. Vendo que haviam perdido tempo, deu uma forte pancada na minha nuca com o cabo da faca e saiu andando. Senti uma tontura imediata, enjoo e uma dor de cabeça inconveniente. E assim, às nove horas da manhã, minha experiência carioca estava completa. E os lendários dois caras em uma moto fazem mais uma vítima
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Maldição da Brevidade
FantasyDedico esta história à Alice. Minha maior motivadora e a razão de eu não ter desistido de escrever. Sem você, nada disso seria possível Ainda no início de sua vida adulta e enfrentando problemas pessoais graves, o jovem Kiel tenta se adaptar a uma r...