1| Apenas Chuvoso

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Chovia lá fora. O barulho da chuva não era tão alto. Não havia relâmpagos ou raios. Vez ou outra conseguia ouvir um trovão um pouco longe de casa. O cheiro de grama molhada adentrava o meu quarto por meio da janela que deixei entreaberta. Uma brisa gelada também vinha de lá. Um frio bom de se ficar debaixo das cobertas assistindo filmes ou tomando um chocolate quente.

Lennon pula em minhas pernas cobertas por um moletom quentinho. O bichano de pele laranja se aninha em meu colo após ouvir um trovão. Ele não gostava de chuva, na verdade, ninguém em casa gostava de chuva. Chuva para eles significa algo triste, melancólico. Pra mim é o completo oposto. É a chance que a natureza tem para se fortalecer. Eu amo o cheiro de grama molhada, amo o barulho que o asfalto faz quando está molhado. Eu amo dias chuvosos.

Mas talvez esse, em especifico, poderia ser triste.

— Não precisa ter medo Lennon. É apenas um trovão — Deixo o desenho que fazia de lado por alguns instantes enquanto faço carinho no gato em meu colo.

A luz amarela do abajur iluminava apenas a minha mesa. O resto do quarto era iluminado pelo resto de sol que ainda tinha lá fora. Já era fim de tarde, o sol já se esgotava e ainda mais com o céu nublado ele ficava mais escasso. Estava prestes a terminar o desenho de uma rosa que havia começado a algumas horas atrás. O nervosismo era demais então decidi me distrair. Precisava parar de pensar um pouco.

Precisava parar de pensar que hoje pode ser um dia definitivo para mim.

Levanto da cadeira giratória segurando a bola de pelos em meus braços. Lennon já está todo folgado. Carinho e um lugar quente o deixava sonolento. Coloco o mesmo entre as colchas que estão soltas sobre minha cama. O esperto não perde tempo e já se alinha fechando seus olhos esverdeados. Um sorriso cresce em meus lábios vendo tal cena.

Caminho então, até a minha janela. Sento no pequeno sofá que há ali, me acomodo entre as almofadas observando a vizinhança. Está tudo calmo lá fora. Não há muitos carros passando pela rua, ou pessoas nas calçadas. Senhor Harris, aparentemente, colocou seu lixo para fora, já que a lixeira azul está cheia. Senhora Baker recolheu suas cebolinhas no quintal em frente sua casa. Os irmãos Russells guardaram suas bicicletas na garagem. Tudo está normal. Tudo está no seu lugar.

Entretanto aqui dentro era uma bagunça. Meu coração dançava em meu peito, meu nervosismo era nítido, minha ansiedade era palpável, minha angústia era tamanha que meus pensamentos rodavam em torno de um único assunto. E tudo dobra de tamanho quando um carro se aproxima da casa ao lado.

Era ele. Era agora.

Salto do estofado procurando meus sapatos. Dou uma ajeitada em minhas madeixas enquanto me observo no espelho. Pego a carta que está tirando meu sono em cima da escrivaninha e desço as escadas No andar de baixo encontro mamãe, papai e Ryder conversando no balcão da cozinha.

—É agora. — Aviso enquanto mexo minhas mãos nervosas.

— Vai lá filha. Vai dar tudo certo — mamãe tenta me acalmar com um sorriso doce.

Meu pai e meu irmão me dão o mesmo sorriso. Respiro fundo dando um sorriso sem graça enquanto faço minha caminhada até a porta.

A chuva ainda cai, a brisa gelada é mais forte aqui fora. Luke já estava sentado na escada de sua casa com uma carta igual á que carrego em minhas mãos. Ele me vê assim que chego ao seu lado. Dá um sorriso fraco ao olhar em meus olhos. E, quando estamos sentados lado a lado fitamos o carro preto em nossa frente.

— Quer abrir a sua primeira?

— Vamos abrir juntos — digo ao meu namorado que concorda, mas ainda sem me olhar.

Apanho a carta branca, onde seus únicos detalhes é o brasão de Harvard e o endereço de casa. Meu coração batia forte, minhas mãos tremiam e algumas lágrimas se formavam, lentamente, em meus olhos. Era agora.

Era neste momento que descobriríamos o futuro do nosso namoro. Era neste momento que decidiríamos oque fazer. Era neste momento em que minha vida mudaria.

Ao ouvir o barulho de papel sendo rasgado também rasgo o meu envelope. Coloco o mesmo de qualquer jeito na escada. Abro a carta de maneira desajeitada. Meu coração cada vez mais rápido, minhas mãos cada vez mais tremulas, Meu medo cada vez maior.

Então, passando meus olhos de maneira rápida entre as palavras consigo ler: "Esperamos você em setembro". Meu sorriso cresce, algumas lágrimas descem em minha bochecha com mais vigor e rapidez, minhas mãos muito mais tremulas e meu coração que saltava com mais felicidade. Eu passei em Harvard. Eu passei na faculdade dos meus sonhos. Eu passei. Eu passei. Eu passei.

- Eu fui aceito. — Sussurra Luke ao meu lado, como se não acreditasse.

Não consigo resistir e pulo em seus braços repetindo diversas vezes um "eu passei" O abraço era forte, apertado, quente, amoroso. Ouvia seus batimentos que estavam descompassados como os meus. Nossos choros se misturaram, assim como o nosso medo, nossa angústia, nossa felicidade, a nossa emoção. Não era agora o nosso fim.

Lennon estava dormindo entre minhas colchas, um desenho não terminado me esperava na escrivaninha, minha família me esperava no balcão da cozinha, o abraço quente me acalmava, o perfume amadeirado me confortava e Luke, em meus ouvidos, dizia que me amava.

Chovia aqui fora. O barulho da chuva não era tão alto. Não havia relâmpagos ou raios. Vez ou outra conseguia ouvir um trovão um pouco longe de casa. Eu amo o cheiro de grama molhada, amo o barulho que o asfalto faz quando está molhado. Eu amo dias chuvosos.

Mas talvez esse, em especifico, poderia ter sido triste.

Felizmente ele foi apenas chuvoso

Contos Lago das CarpasOnde histórias criam vida. Descubra agora