Capítulo 08

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Victor entrou no quarto e jogou a mochila na cadeira do canto, sem se importar quando errou a pontaria e ela caiu no chão. Ele queria gritar. Se não fosse o suficiente ter que se manter civilizado por mensagens com Rafael, agora ele tinha que falar pessoalmente com ele, ensinar alguma coisa a ele e tirar uma foto. Por mais ilógico que fosse, o rapaz estava começando a achar que a professora Celeste o odiava.

Ele foi até a cozinha procurando alguma coisa para beber e ficou surpreso ao ver seu pai sentado lá com uma caneca de café em uma das mãos enquanto digitava algo no celular com a testa franzida.

— Prefeito Carlos Martins? A que devo a honra de sua ilustre presença? – Victor perguntou enquanto caminhava para a geladeira.

— Já falamos sobre usar esse tom comigo, rapaz – O homem, no entanto não levantou o olhar da tela do celular. – A polícia está vistoriando a prefeitura. Parece que alguém me denunciou por corrupção.

— Você? Desonesto? Quem teria imaginado? – O rapaz pegou uma garrafa de Del Vale na geladeira e se sentou na outra cadeira perto da mesa.

— Eu não sou desonesto – Victor bufou com isso – Se eu fosse desonesto haveria provas, eles não vão encontrar nada, então eu não sou desonesto. E você tem que parar de dizer coisas assim. Uma coisa é um bando de indigentes me acusando de desviar dinheiro, outra coisa é meu filho.

— Não é como se eu fosse sair por aí contando que meu pai é um ladrão – Victor zombou, apesar da lembrança da mensagem que Rafael mandara uns dias atrás – A maioria das pessoas já sabe de qualquer jeito, mas eu ainda quero manter a minha dignidade.

— Espero que isso signifique que você está guardando o seu segredinho sujo para si mesmo então. Não quero que você me envergonhe. Na capital as coisas são mais liberais, mas aqui as pessoas falam.

— Muito mais liberais – Victor tomou um gole do suco antes de acrescentar – Por isso que eu fui parar no hospital.

— Olha, eu realmente não me importo se você é gay...

— Bi – Corrigiu Victor, mesmo sabendo que não surtiria efeito.

— Mas se você for sair com um cara, – Continuou Carlos ignorando a interrupção – Espero que você tenha certeza que seja alguém que você possa pagar pra ficar em silêncio.

— Você quer que eu saia com um prostituto? – Victor soltou um riso amargo antes de se levantar. Ele terminou o suco e jogou a garrafa no lixo. – É ótimo saber que você me apoia, pai.

— Eu só quero proteger você. – Victor bufou – É sério, pergunte para aquele menino gay da sua escola, eu tenho certeza que ele vai dizer que daria tudo para voltar para o armário.

— Se você está dizendo – Victor deu de ombros e tentou não parecer surpreso com a informação de que havia um garoto gay assumido no Portinari. Claro que ele não esperava que todos fossem héteros em uma escola daquele tamanho, mas para sair do armário em uma cidade pequena igual a Tabaréu, onde grande parte das pessoas ainda preservava os costumes e preconceitos do passado, a pessoa tinha que ter uma coragem do caralho.

— Eu estou falando sério, filho – Carlos chamou enquanto o rapaz já deixava a cozinha. – Eu me preocupo com você e não quero ver você no hospital de novo porque não soube controlar seus impulsos.

— Meus impulsos? – Victor olhou para o pai – Você fala como se eu tivesse assediado alguém. Eu tinha uma namorada, pai. Fiz a besteira de contar para ela que era bi e ela chutou minha bunda e espalhou pra escola inteira que eu era gay. O cara que me bateu me acusou de olhar pra bunda dele no banheiro e eca, ele nem fazia meu tipo. O que aconteceu não teve nada a ver com meus "impulsos", teve a ver com uma garota que não sabe a diferença entre um gay e um bissexual e um homofóbico narcisista.

Um (quase) conto de fadasOnde histórias criam vida. Descubra agora