1- Como a Disney Arruinou o Amor

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A vida é engraçada. Uma pessoa nunca sabe quando alguma coisa realmente boa vai acontecer e mudar toda a sua história, mas a gente sempre percebe quando as coisas vão dar errado e tem aquele momento antes da desgraça acontecer, que usamos para pensar "fodeu".

Quando isso acontece, geralmente, as coisas já saíram completamente do controle e a pessoa começa a pensar em termos de contenção de danos: o que eu posso fazer para ter o mínimo de humilhação possível?

Era nesse ponto que me encontrava.

Enquanto meus pais caminhavam em minha direção no aeroporto lotado, eu pensava desesperadamente em todas as opções que poderiam me salvar. Dizem que só usamos 10% de nossa capacidade cerebral, mas, nessa hora, eu juro, cada neurônio trabalhava a todo vigor e por onde eu olhasse, não havia saída.

Fodeu.

Fodeu do jeito mais fodido que poderia ser.

Sakura Haruno, 34 anos, fodida e DESESPERADA.

A verdade, é que é muito triste ter que sofrer as consequências dos seus próprios atos, sabe? Então, justo quando aceitei o destino cruel que me aguardava, já que morrer, trocar de identidade ou fugir do país não era uma opção viável (eu verifiquei), a solução de todos os problemas — que eu mesma criei, sempre importante ressaltar — literalmente caiu em cima de mim.

Mas antes de dizer como eu pretendia dar a volta por cima, acho justo contar como eu cheguei até essa pilha enorme de bosta em que estava atolada até o pescoço.

Tudo começou nos longínquos anos 90, uma época mágica em que sandálias de plástico e ir em programas de auditório passar vergonha eram o sonho de todas as meninas.

Lembro exatamente o dia em que meu pai chegou em casa com esse vídeo cassete novo e umas fitas da Disney. É claro que  já conhecia as histórias da Cinderela e da Branca de Neve, isso é transmitido pelo DNA assim como a cor dos olhos e dos cabelos, mas isso não me impediu de ficar completamente obcecada com a ideia de encontrar o meu príncipe encantado.

"Mas Sakura, você já tem 34 anos. Você não acha que já deveria saber que contos de fadas não são reais?"

É claro que eu sabia disso. Mas é errado esperar que alguém esteja disposto a matar um dragão por você? Se isso for crime, então pode me prender.

Então, de certa forma, sim, a culpa de eu ser uma solteirona cheia de expectativas irrealistas sobre os homens, sobre o amor e sobre relacionamentos era totalmente de Walt Disney. Mas ser solteira aos 34 anos era só uma pequena parte sobre mim. Sendo sincera, era a parte menos importante, aliás.

Eu era uma profissional de sucesso, era repórter em uma das maiores agências de notícias do país e fui eleita a 934º na lista de pessoas capazes de mudar o mundo. Já fizeram uma reportagem sobre mim e usaram os adjetivos "inteligente, ambiciosa e incrivelmente linda".

Eu tinha muitos colegas e alguns melhores amigos que eram pessoas realmente maravilhosas e me davam todo o apoio que precisava. Além disso, ninguém pode me acusar de não ter tentado encontrar o meu príncipe. Sinceramente, tive mais encontros  no último ano do que algumas pessoas vão ter em toda uma vida.

O que quero dizer com isso, é que ser solteira nunca foi um sinônimo de ser solitária, fracassada e nem mesmo motivo de vergonha para mim.

Era isso que eu pensava, até o dia do casamento da minha prima mais nova no ano passado.

Quer dizer, depois de um tempo, você se acostuma com todo mundo perguntando "e os namoradinhos?" e depois se acostuma novamente quando as pessoas parecem desistir de te perguntar sobre os namorados, como se você fosse de alguma maneira incapaz de arranjar um namorado  (embora no meu caso fosse verdade).

E aí, em um desses momentos em que a desgraça que vai acontecer é tão colossal que o mundo a sua volta parece se mover em câmera lenta, eu vi o buquê de flores (que eu nem tentei pegar) vir girando e girando e girando até cair no meu colo.

Até tentei me fazer de desentendida e jogar o buquê no chão, mas não adiantou. Algumas pessoas riram, outras disseram que o buquê não fazia milagre, até minha avó quis que jogassem de novo tamanho o desperdício.

O que posso dizer… se existisse uma máquina do tempo, eu voltaria até aquele momento e me impediria de abrir a boca. Entretanto, como máquinas do tempo ainda não estão disponíveis, o que se sucedeu foi algo do tipo:

— Bem, parece que agora é um ótimo momento para dizer que estou noiva?

Sim. Isso mesmo. Era uma coisa tão absurda que minha mentira descarada foi quase uma pergunta.

O choque foi tão grande que a coitada da minha avozinha passou mal e meu tio, o pai da noiva, teve que levá-la até o hospital e, nessa altura, o casamento ficou totalmente em segundo plano e nem preciso dizer o quão "feliz" minha prima ficou por eu ter roubado toda a atenção no casamento perfeito dela.

Se ao menos ela soubesse que seis meses depois encontraria o marido com o pau enfiado na garganta da secretária, talvez ela não tivesse me excluído do grupo de mensagens da família  (o que foi maravilhoso e eu quase agradeci, mas não é esse o ponto).

Mas voltando ao assunto, naquela hora, duas únicas coisas importavam para minha família: minha avó estaria viva para ir ao meu casamento? E, abre aspas, quem foi o guerreiro capaz de quebrar o gelo do meu coração e me aturar o suficiente para, não só para namorar comigo, mas escolher passar o resto da vida ao meu lado?

Isso era a minha família sendo gentil sobre mim.

Por isso, não sinto vergonha em dizer que fiz o que qualquer outra pessoa teria feito no meu lugar, menti ainda mais.

Foi assim que eu fiquei noiva de Sasuke Uchiha: um grande empresário do ramo de transportes, que pratica caridade distribuindo alimentos aos famintos, amante da natureza, educado e lindo. Definitivamente o sonho de toda mulher.

A realidade é que ele é motoboy, entrega pizza e vende erva. Quer dizer, não chega nem a ser uma mentira. Ele realmente trabalha com transporte e alimenta os famintos que pagam por isso, mas não vamos entrar nesse assunto.

Também não vamos falar sobre eu ter escolhido o único homem com quem não me casaria JAMAIS, nem se ele fosse o último homem da Terra e a espécie humana dependesse disso para continuar existindo. Quer dizer, nesse caso muito específico TALVEZ eu casasse com ele. Mas sem a iminência da extinção???  Nunquinha.  E não é por ele ser um empreendedor do comércio não autorizado de plantas medicinais de uso proibido, é porque ele é um completo idiota e eu o odeio.

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