CAPITULO 7

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As estações de rádio informavam em edições extraordinárias os motivos da pane geral no sistema de telecomunicações. Vovô ouviu e contou pra gente:

--- Foi tudo por causa de uma anomalia magnética que se agravou em condições meteorológicas adversas e se espalhou por todo o país.

Continuamos olhando para a cara dele, como se vovô tivesse falado em russo. Ele ia prosseguir, na maior naturalidade, quando mamãe interrompeu:

--- Quer explicar que negócio é esse de "anomalia magnética", pai, ou não vai adiantar nada você continuar falando.

A exibida da minha irmã antecipou-se:

--- Bem, anomalia, vocês sabem, é uma deformação, uma irregularidades, e magnético é tudo aquilo que tem as propriedades do ímã, um óxido natural de ferro que atrai o ferro e outros metais.

--- E o que tem a ver isso com a televisão fora do ar? --- titia fez a pergunta que estava na cabeça de todos nós.

Antes que minha irmã tornasse a abrir a boca, pedi que deixasse o vovô explicar e acho que ela só consentiu porque também não conhecia a resposta.

--- O planeta Terra funciona como um ímã gigante --- disse vovô. --- É por isso que nós, soltos na superfície dele, não caímos no espaço.

--- É por isso também que tudo o que sobe, desce --- acrescentou a mana.

--- Como o elevador? --- resolvi me meter.

--- Cala a boca, Tavinho! Deixa vovô explicar! --- bronqueou a mana.

Vovô explicou que esse ímã não tem a mesma força em todas as regiões:

--- No Brasil, por exemplo, o campo magnético é três vezes mais fraco que nos Estados Unidos.

--- Tinha que ser! --- gemeu papai. --- Até no campo magnético os americanos são superiores a nós.

--- Vai ver esses políticos venderam parte do nosso campo magnético --- acrescentou a mana.

--- Eta paizinho complicado esse! --- resmungou titia.

Mamãe aflitíssima pediu que cessassem os comentários parelelos para vovô acabar de falar "porque até agora não entendi o que tem a ver tudo isso fato de eu não poder assistir minha novela"

--- Você já vai entender --- disse vovô retornando aos tempos de professor. --- Ao redor da crostra terrestre circula uma enorme quantidade de partículas carregadas de prótons e elétrons que são mantidas a distância pelo campo magnético que atua como uma espécie de cortina.

--- Impede essas partículas de chegarem até nós. É isso? --- mamãe esforçava-se para entender tudo diretinho.

Vovô assentiu com a cabeça e prosseguiu:

--- Só que nas áreas onde, esse campo é mais fraco, as partículas penetram, bombardeiram a composição natural do ar e provocam sérias conseqüencias na, digamos, "saúde" da atmosfera. Uma delas, como aconteceu agora, é o bloqueio dos sinais eletromagnéticos que permitem o trânsito das ondas curtas --- fez uma pausa, concluindo enfático --- e das transmissões de televisão. Entenderam?
Minha irmã, como não dá o braço a torcer, disse "mais ou menos" e saiu da salinha, com certeza para pesquisar o assunto. Eu e mamãe não entendemos nada, mas o que interessava mesmo no momento era saber, depois disso tudo, quando a gente ia poder assistir televisão novamente.
--- Infelizmente não há nada que o homem possa fazer. Ainda não existe um aspirador de pó espacial que retira esse excesso de partículas de ar. Tanto pode demorar 24 horas como um século! --- sentenciou vovô.
--- Um século?? --- mamãe pulou --- então não vou ver o resto da novela! Um século! Imagina!
Eu não tinha a menor idéia de como era imaginar um século. Quantos dias têm cem anos? É muita coisa e ninguém consegue imaginar um dia atrás do outro até completar um século. Quem quiser chegar lá vai se perder pelo caminho. Não dá para imaginar! É como querer ver o que está acontecendo a cem quilômetros daqui.
--- Enquanto seu, filho. A imaginação não tem limites!
--- Mas daqui a um século estaremos todos mortos. A imaginação da gente vai além de um tempo em que já não estaremos vivos?
--- Você pode jogar sua imaginação para daqui a um milhão de anos.
--- Como é que se faz isso, vô?
--- Dando um salto no tempo!
--- E pode? A imaginação não segue o calendário?
Vovô riu da minha pergunta. A essa altura mamãe já tinha se retirado, desolada como se deixasse um velório.
--- Escuta, filho. Você vai gastar o mesmo tempo para imaginar alguma coisa amanhã, daqui a dez ou cem anos.
Eu não conseguia entender essa matemática da imaginação.
--- Ninguém gasta o mesmo tempo para distâncias diferentes, vô. Cem anos está muito mais longe do que des anos!
Vovô ria, parecendo se divertir com meus argumentos.
--- Sim, do ponto de vista da realidade --- disse ele --- mas a imaginação é outro departamento. Na imaginação vale tudo. Vamos imaginar alguma coisa para daqui a dez anos.
Logo eu? Não consigo imaginar nada para daqui a cinco minutos. Tratei de dar um drible no vovô.
--- O que, por exemplo, vô?
--- Vamos imaginar... uma espécie de guarda-chuva aéreo que leve as pessoas de um lado para o outro.
Minha telinha interior, como sempre, não conseguia criar ou combinar imagens: mostrou apenas um guarda-chuva comum e um helicóptero. Mas eu disse ao vovô que estava acompanhado sua imaginação.
--- Agora --- tornou ele --- imaginemos qualquer coisa para dentro de um século. Digamos que daqui a cem anos o homem poderá morar no espaço. Haverá plataformas espaciais individuais e familiares.
A única imagem que apareceu na minha telinha interior foi a de uma casa de madeira sendo levada pelos ares por uma ventania, como vejo na televisão. Mas fiquei na "minha".
--- Muito bem, vô. E daí?
--- Veja que gastamos o mesmo tempo para imaginar coisas diferentes em épocas diferentes.
--- É verdade! --- exclamei.
--- Sabe por quê? O tempo não existe na imaginação. Nem o tempo nem o espaço.
Achei que deveria perguntar:
--- O que existe então?
--- Imagens! Na imaginação só existem imagens, que não precisam ter qualquer compromisso com a realidade. Você pode imaginar o que quiser, onde quiser. Foi por isso que eu disse que a imaginação é uma mágica.
"Que não tem nenhuma importância", completei baixinho e resmunguei: "Que mágica boba!".
Mamãe reapareceu interropendo nossa conversa, interessada em questões mais objetivas. Parecia que ela tinha saído para pensar em alguma coisa.
Perguntou ao vovô:
--- Se o homem não pode fazer nada para a televisão voltar, quem pode? Deus?
--- É uma hipótese --- respondeu vovô com ironia.
--- E se Deus quiser nos castigar?
Vovô pensou um pouco e retrucou:
--- Já está castigando. Ou não faria isso com o povo que assiste televisão no mundo.

O menino sem imaginaçaoOnde histórias criam vida. Descubra agora