Capítulo 1

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Dalet caminhava encostada no muro sujo de um estacionamento, com a meia-noite se aproximando não existiam pessoas nas ruas, apenas os poucos carros que passavam apressados, a maquiagem escura derretida pelas lágrimas borrava seu rosto branco, os longos cabelos negros soltavam-se da trança e lhe cobriam parte da face, em outra ocasião ela seria uma garota atraente, mas suas roupas estavam mal ajustadas, há algum tempo as lágrimas que borrara a maquiagem secaram, deixando linhas escuras que lhe corriam o rosto ate o queixo, não havia mais pranto, apenas a inevitável sensação de imundice, a depressão corria junto com o sangue em suas veias, tirando-lhe as forças do corpo já cansado de tanto resistir a seus agressores. Os pés calçados com suas botas favoritas arrastavam-se pesadamente, sentia que andava por pura inercia. Para aquela garota de dezesseis anos, caminhar era um esforço tremendo.

Há menos de uma hora atrás ela estava presa num quarto com Thiago, Daniel, Márcio, Joana e Linda, garotos que estudavam com ela desde o sétimo ano do ensino fundamental, agora, era inevitável lembrar o caminho que percorreu até ali: no começo da noite Linda ligou para ela, coisa que para Dalet era inédito, pois ela era uma das que menos gostavam dela, juntava-se com seus amigos para humilhar e falar mal de Dalet, "A mortiça come lixo e dorme na fossa! Roubou tua roupa de um defunto foi? Dalet a estranha!" Eram as frases mais comuns que Dalet ouvia de Linda, porem, hoje ela ligara com outras palavras.

- Alô? – A princípio Dalet não reconheceu a voz da garota no outro lado da linha e respondeu normalmente. – Dalet. Hei não desliga o telefone tá. Aqui é a Linda. – Dalet ficou muda. – Colega, e o seguinte: Hoje o pessoal vai fazer uma festa na casa do Thiago, sabe como é, boa música e algumas cervejas! O Marcio vai estar lá também.

- Linda – Dalet falou após um longo silêncio – Sinceramente, porque você acha que eu iria a uma festa com você? – Dalet tentou manter a voz normal, mas ela soou seca demais.

- Tá certo, tá certo. Nós nunca fomos amigas, mas acho que isso podia mudar hoje. – Linda argumentava com a voz quase sorridente. – Desculpa tá Dalet, desculpa. É que desde crianças nós brincamos com você daquele jeito e você nunca reclamou, então...

- Então vocês resolveram fazer isso ano após ano? – As mãos da garota tremiam à medida que segurava o aparelho telefônico, mas sua mente a traia com a imagem de Márcio, afinal ela sempre foi apaixonada por ele desde que se conheceram no primário, mesmo ele sendo do grupo dos que a atormentava – E agora isso...

- Olha Dalet, se não quiser vir, tudo bem. Eu tô só passando o recado do Márcio, para te convidar o.k.? – Linda disse o endereço e o horário da festa – Bom até lá...

O telefone bateu sem a despedida de Dalet, mas, saber que Márcio a convidara fazia seu coração dá pulos e um nó subir a garganta, ela se sentiu tão eufórica que começou a cogitar a ideia de ir à casa do Thiago hoje à noite, desviou seu olhar para o espelho avaliando sua aparência, medindo suas chances, Márcio é um garoto alto e bonito de cabelos castanhos, nariz pronunciado, lábios finos, olhos castanhos como os seus. Por muitos anos Dalet guardava sua paixão por ele a sete chaves, às vezes o odiava por não reparar nos olhares dela e ao invés disso andava com as pessoas que a humilhavam. Dalet desviou o olhar, agora via seu quarto pensando se ficaria ali o sábado inteiro ou se arriscaria ir a maldita festa, por fim não decidiu nada e saiu do quarto a passos rápidos, disparando despedidas apressadas para o pai que estava cochilando no sofá da sala. Desceu os lances de escadas com velocidade, e foi para a rua, sempre que se sentia tensa ela colocava seus fones de ouvido e ia correr pela cidade, o macacão de exercício deixava seu corpo bem delineado fazendo a cabeça de alguns homens torcerem o pescoço para lhe observar, e isso ajudava a se sentir desejada por alguém, suas passadas iam se tornando uma marcha depois uma corrida, atravessando ruas, avenidas, vencendo rapidamente quarteirões, o suor molhava seu rosto corado pelo esforço, a mente parecia vazia era preenchida pela música alta, cada batida compassava sua corrida. Até que alguns quilômetros depois ela parou exausta em frente a uma banca de jornal. Com um sorriso forçado ela comprou uma garrafa de água, catou um jornal do dia e procurou o horóscopo, "Áries – Hoje muitas oportunidades se mostrarão em seu caminho e a escolha que fizer mudará sua vida para sempre". Devolveu rápido o jornal ao seu lugar antes que lhe cobrassem por ele. Olhou para o caminho de volta para o seu apartamento, com sua decisão sobre a festa tomada e voltou caminhado devagar...

Contos da Lua - Loba NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora