Capítulo 2

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A Manhã estava fria para o final do verão, Dalet acordou lenta e preguiçosamente, esticando os braços cobertos por uma camisa velha que ela sempre usava para dormir. O cheiro de amaciante na almofada apenas tornava o ato de acordar mais difícil, mas sua mente estava despreocupada, relaxada, o edredom sobre ela era confortável e quente, suas mãos tocaram a cabeceira da cama se prendendo lá como uma forma de resistir ao impulso de se aninhar ainda mais no colchão e voltar a dormir. Abriu os olhos, e pela cortina entreaberta deixava passar a luz de um sol preguiçoso como ela, virou-se e sobre o criado mudo velho, estava um copo plástico cheio de leite quente, ela ergueu-se apoiando as costas na cabeceira da cama e tomou lentamente o liquido, sentindo como nunca o aroma e o sabor do leite quente mais gostoso de sua vida.

Ao levantar da cama ela sentiu um dor sutil no calcanhar e confusa levantou sua calça velha e viu lá marcas vermelhas sutis como a de uma ferida no final de sua cicatrização. Perguntou-se o que poderia ter acontecido e lembrou-se do sonho que teve, um sonho que com certeza seria o primeiro na lista dos mais esquisitos – sonhar em ser um cão imenso! – pensou consigo mesma sorrindo e indo até o espelho onde pegou uma escova e tentou pôr seus longos cabelos negros na vertical, foi até o banheiro que era ao lado do seu quarto, no corredor viu a porta do quarto dos pais fechada o que indicava que tudo estava no seu lugar, o pai desempregado enterrado no seu sono ate metade do dia, devia ser sábado porque na cozinha escutava com muita precisão os passos de sua mãe que ia de um lado para o outro preparando um tardio café da manhã, que com certeza era um bom bolo de milho, café com leite e doce de goiaba. Fechou a porta do banheiro atrás de si e mais uma vez olhou-se no espelho, notou-se mais bonita hoje, não sabia precisar, mas alguma coisa em seu olhar parecia ter mudado bastante e a deixava mais interessante, feliz ela pegou a escova de dente no copo em cima da pia e pôs a escovar, sentindo o sabor de menta na pasta, forte demais, segurando a escova entre os dentes ela pegou o tubo da pasta para ver a validade, e viu que ainda faltava um ano para o vencimento, tentou ignorar o inconveniente e terminou a escovação, lavou o rosto com a água fria na pia, o que a despertou completamente. Mais uma olhadela no espelho, mais um sorriso e foi até a cozinha.

- Bom dia mãezinha! – Dalet deu o cumprimento às costas da mãe que pegava a garrafa recém-fechada de café na bancada.

- Dalet! Você esta bem meu amor!? – A surpresa da mãe foi tão intensa que por uma fração de segundo Dalet pode ver a garrafa térmica vacilar nas mãos da mãe. – Você esta bem menina!?

- Calma mãe! Eu tô bem! – Dalet sobressaltada foi até a mãe e pegou a garrafa de suas mãos, sentindo o frio repentino nas mãos da mulher. – Eu não devia estar? – Dalet tentou brincar para cortar a tensão.

- O que fizeram com você minha filha? – As mãos de Dona Carmem correram das da filha e pousaram em seu rosto. Não foram mais que cinco segundos em que Dalet fitou os olhos da mãe e as lembranças correram-lhe a mente: O animal, os cães, o sangue, o carro, os enfermeiros, mais sangue, a maca, o parque, o estranho, a rua vazia, as lágrimas, o quarto, a festa! – Dalet? Filha?!

- O... Oi mãe... – Dalet esquivou-se do olhar da mãe e sentou-se em seu lugar favorito na mesa – Mãe, eu tô bem, foi... Acho que foi só o medicamento do hospital... Viajei demais...

-Viajou!? – A expressão no rosto de Dona Carmem mostrava uma mudança para a agressividade, Dalet parecia ser capaz de ler cada nuance no rosto da mãe, o cheiro dela mudava sutilmente com as emoções, Dalet não queria entender isso agora, tinha que ganhar tempo para organizar as ideias – Você foi socorrida numa praça quase morta com uma mordida de cachorro! Fica quase um mês inconsciente, tendo febre todas as noites! Delirando! Tendo ataques frequentes! E pelo jeito fugiu, sem roupa, em plena noite em que um cão imenso entrou no hospital! – Os olhos de Carmem estavam encharcados, Dalet via a mãe à beira de um ataque de nervos, ela tinha que agir rápido.

Contos da Lua - Loba NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora